A madrugada era um oceano escuro e silencioso, e no fundo dele, Nina se afogava. O sono, que deveria ser um refúgio, tornou-se um palco de horrores. Seu corpo pequeno se revirava na cama, os lençóis se emaranhando em seus pés como algas, enquanto sua mente era assaltada por fragmentos de um futuro que ela não compreendia.

Não eram sonhos, eram flashes. Cicatrizes de eventos que ainda não haviam acontecido.

Click. Uma silhueta de mulher, envolta em uma armadura que brilhava como ouro líquido, era perfurada. A luz dourada se estilhaçando contra a escuridão da lâmina que a atravessava. O som não era de dor, mas de algo se quebrando, como vidro.

Click. Outra mulher, os contornos recortados contra um inferno de fogo. A pele crepitava, o cabelo se tornava cinza, mas não havia grito, apenas o silêncio do fogo consumindo tudo.

Click. A lâmina fria de uma guilhotina descendo. A silhueta de uma cabeça se separando de um corpo em um arco mudo e terrível.

Click. Um homem, grande como uma montanha, sendo esmagado entre duas formas disformes, seu corpo se desfazendo sob uma pressão invisível. Outro, tendo o braço arrancado, a forma escura do membro caindo no chão com um baque surdo. E uma última mulher, enredada em um emaranhado de vinhas e raízes que brotavam do chão, seu corpo inerte como o de uma boneca quebrada em um jardim profano.

Nina não via rostos, não ouvia nomes. Via apenas a morte em sua forma mais crua, silhuetas dançando uma coreografia macabra contra um fundo de escuridão.

Com um arquejo que rasgou o silêncio de seu quarto, ela acordou. O ar entrou em seus pulmões como se ela estivesse subindo à superfície depois de um longo mergulho. O coração martelava contra as costelas, um tambor frenético em uma casa adormecida. O suor frio grudava seus cabelos na testa. E então, as lágrimas vieram. Silenciosas, quentes, incontroláveis. Ela não entendia por que aquelas imagens a faziam chorar, mas a dor em seu peito era real, um aperto esmagador.

Ela se levantou. Os pés descalços tocaram o chão de madeira, o frio subindo por suas pernas, mas ela mal sentiu. Abriu a porta do quarto com um cuidado que sua idade não sugeria e desceu as escadas, os degraus rangendo baixinho sob seu peso. Passou pela sala escura, uma pequena sombra movendo-se em direção ao quintal.

A grama estava úmida e gelada sob seus pés. Ela caiu de joelhos no meio do jardim, a cabeça baixa, o corpo tremendo. O choro agora vinha em soluços, e ela levou as mãos à boca para abafar o som, para engolir a própria dor, para não acordar ninguém. Para estar sozinha com seus fantasmas.

Mas ela não estava.

Passos suaves na grama, quase inaudíveis. Uma presença se aproximando com uma cautela que não era invasiva, mas protetora.

— Nina? Você está bem? — A voz era de Maya, um sussurro na noite, carregada de uma preocupação genuína que a pequena não esperava.

Nina balançou a cabeça, um "sim" que era uma mentira óbvia, enquanto esfregava o rosto com as costas das mãos. Maya se agachou ao seu lado, apoiando-se nos calcanhares, e não disse mais nada. Apenas ficou ali, no silêncio, uma guardiã inesperada na escuridão. O silêncio se estendeu, preenchido apenas pelos soluços abafados de Nina. Maya não a apressou. Apenas esperou.

— O que foi? — Nina finalmente perguntou, a voz trêmula, ainda sem se virar. — Eu já disse que eu estou bem.

Maya respirou fundo, o ar da noite enchendo seus pulmões.

— Eu fiz o mesmo que você.

A frase pairou no ar, simples, mas pesada de significado. Nina parou de tremer. A confissão silenciosa a atingiu de uma forma que nenhuma pergunta conseguiria.

— Eu tentei esconder os meus problemas. — Continuou Maya, a voz ainda um sussurro. — E isso só me fez mal. Demorei para perceber que eu precisava de alguém para desabafar, contar os meus problemas para alguém. Então, se quiser... eu estou aqui.

Nina permaneceu imóvel. Maya pensou ter falhado, que a barreira da menina era intransponível. Estava prestes a se levantar quando sentiu dois braços pequenos envolvendo seu pescoço. Nina a abraçou com a força de quem se agarra a uma boia em alto mar, o rosto enterrado em seu peito, e o choro, antes contido, agora veio livre, desesperado. Maya a envolveu em seus braços, uma mão afagando a cabeça da pequena em um cafuné lento e ritmado, um consolo que não precisava de palavras.

Um tempo depois, sob o céu que começava a clarear, com Nina mais calma, as palavras vieram. Ela contou tudo. Os flashes, as mortes, o medo. Maya escutou, os olhos verdes fixos no horizonte, absorvendo cada detalhe sem interromper, sem julgar.

— Você deve achar bobo... — Disse Nina ao terminar, a voz cansada, encolhendo-se um pouco.

— Não! — A resposta de Maya foi imediata e firme, fazendo Nina olhar para ela. — Eu não achei. Foi muito, para uma criança. Se eu estivesse no seu lugar, teria tido a mesma reação. — Um sorriso pequeno e acolhedor surgiu nos lábios de Maya.

Nina sorriu de volta, sentindo um peso se dissipar de seu coração.

— Você não conseguia ver os rostos? — Perguntou Maya, gentilmente.

— Não. — A resposta foi curta, quase como as de Cael.

— Nada? Não dava para reconhecer nem as silhuetas?

Nina ficou em silêncio, os olhos se perdendo na grama enquanto sua mente mergulhava de volta no pesadelo.

— Olha, se for muito... — Começou Maya, mas Nina a interrompeu.

— Teve uma. A mulher queimada... Ela... — A hesitação dela era palpável, a dificuldade em dar forma à imagem.

— "Ela"?

Nina respirou fundo.

— Eu não sei, mas... ela parecia com você...

— Comigo? — A surpresa na voz de Maya era genuína. Ela forçou um sorriso tranquilizador. — Não faria mal em pensar que foi só um pesadelo.

— Sim... Mas parecia tão real... Eu... senti...

A frase morreu em sua garganta. Os olhos de Nina se arregalaram, não de medo, mas de uma dor súbita e aguda. Uma mão pequena voou para a lateral de sua cabeça, os dedos se apertando nos cabelos.

— Aaaah!

O grito rasgou o silêncio da manhã nascente, agudo e cheio de uma dor que não era de um pesadelo, mas física. Antes que Maya pudesse reagir, o corpo de Nina amoleceu completamente em seus braços, desmaiada.

— Ei, Nina! O que houve?! — O pânico tomou conta da voz de Maya.

O som do grito fez com que luzes se acendessem na casa. Segundos depois, Hana desceu as escadas, o rosto marcado pela preocupação. Ela viu Maya no jardim, segurando o corpo inerte de Nina.

— O que aconteceu?

— Eu não sei! Nós estávamos conversando e ela desmaiou!

Hana avaliou a cena com a rapidez de uma médica em emergência. A razão tomou o lugar do pânico.

— Leve-a para o quarto do Cael. Agora.

Maya não questionou. Pegou Nina no colo e a levou, o coração martelando contra as costelas. Colocou-a cuidadosamente sobre a cama. Na penumbra do quarto, a luz pálida da janela iluminava o ambiente. As paredes, de um azul profundo, agora pareciam quase negras, transformando as estantes de livros e os gadgets desmontados em silhuetas misteriosas. O quarto de Cael à noite não era um refúgio, era uma caverna.

Hana examinou a menina, os olhos experientes passando pelo rosto pálido, medindo sua respiração.

— Ela só está dormindo... — Disse, o alívio baixando o tom de sua voz. — O que aconteceu, afinal?

— Eu encontrei Nina chorando por causa de um pesadelo. Até aí, tudo bem. Mas, quando eu perguntei a ela sobre as pessoas que viu, ela disse que tinha me visto... e depois, gritou de dor e desmaiou.

Hana olhou para Nina, adormecida, e depois para a filha adotiva, a preocupação gravada no rosto de Maya.

— Vamos... só deixar isso como está. — Disse Hana, a voz suave.

Maya a encarou, a discordância clara em seus olhos.

— Não devemos forçar explicações agora. O estresse do pesadelo, e o estresse de se lembrar dele, pode ter causado um colapso. Claro, isso é só uma teoria.

Maya assentiu, relutante. Sentou-se na beira da cama, o olhar fixo em Nina, uma mistura de preocupação e uma ponta de culpa pesando em seus ombros. Hana a observou. Viu a mudança, a gentileza que o trauma de Maya havia, paradoxalmente, despertado nela. Ela sabia, naquele momento, o que as duas precisavam.

Sem dizer uma palavra, Hana se virou, saiu do quarto e fechou a porta com um clique suave, deixando-as a sós na quietude da noite que terminava. Um silêncio que não era de ausência, mas de permissão.

A luz da manhã derramou-se pela janela, uma lâmina de ouro pálido que cortou a penumbra do quarto e tocou o rosto de Nina. Sob o calor suave, seus cílios tremeram e ela abriu os olhos. As cinzas das imagens da madrugada ainda flutuavam em sua mente — o brilho de uma armadura dourada, o silêncio do fogo, a queda de uma cabeça —, mas agora pareciam distantes, como ecos de uma história que ela não tinha certeza se era sua.

Ela passou a mão pelo rosto, um gesto para limpar o sono e os resquícios do choro. Ao virar-se, a surpresa a fez prender a respiração. Encolhida na beirada da cama, como um guardião adormecido, estava Maya. A ruiva dormia um sono pesado, a respiração suave, uma mecha de cabelo caindo sobre o rosto.

Um cuidado instintivo tomou conta de Nina. Ela precisava sair sem acordá-la. Moveu-se com a lentidão de um gato, deslizando para a borda da cama. Mas, no momento de apoiar o pé no chão, algo em seu cérebro calculou mal. Por um instante fugaz, seu corpo se moveu com a memória de um alcance mais longo, de uma altura que não possuía, como se esperasse que o chão estivesse mais longe. A hesitação foi o suficiente. Ela perdeu o equilíbrio.

TUMP.

O baque surdo de seu corpo pequeno no chão de madeira foi o suficiente para despertar Maya, que se sentou em um pulo, os olhos verdes arregalados.

— Você está bem? — A voz sonolenta estava carregada de uma preocupação quase exagerada, um eco do pânico da noite anterior.

— Acho que sim... — Respondeu Nina, com a bochecha ainda pressionada contra o piso frio.

Ela não pensava na queda, mas no movimento estranho que a causou. Uma sensação de descompasso, como se habitasse um corpo que não lhe servia mais. E havia outra coisa. Uma clareza em seus pensamentos, uma articulação em suas palavras que parecia nova, que simplesmente... estava lá.

Maya a ajudou a se levantar, as mãos verificando seus braços e costas em busca de qualquer arranhão.

— Maya. Eu só caí no chão. E eu sou uma Super-Humana, lembra? — A frase saiu com uma calma e uma lógica que fizeram Maya parar. Aquele tom, aquela cadência... não era o de uma criança de seis anos.

— Desde quando você fala assim?

Nina piscou, a pergunta a pegando de surpresa. Ela não sabia.

— Não sei...

— Bem, isso não é importante. — Disse Maya, cortando a própria linha de pensamento e, num impulso, pegando Nina no colo. A pequena soltou um "ei!" de surpresa. — Vamos tomar café da manhã. E eu vou tentar convencer o Cael a não ter treino hoje.

A última frase acendeu um alerta na mente de Nina, mas ela permaneceu em silêncio, aninhada no abraço de Maya. Desceram as escadas e encontraram a cozinha vazia, mas um cheiro acre de fumaça as guiou para o quintal.

Pelo buraco na parede, elas viram a cena. Hana, com os cabelos Chanel um pouco desalinhados, estava diante de uma fogueira improvisada, cujas chamas se erguiam quase à sua altura.

— Hana. O que você está fazendo? — Perguntou Maya, incrédula.

— Eu vou fazer o café da manhã. — Respondeu Hana, com uma calma que não combinava com o caos flamejante à sua frente.

— Mas o fogo precisa ser mais alto que você?

Hana suspirou, derrotada. — Eu admito que não sei fazer isso e que as coisas saíram um pouco do controle.

Foi quando Cael surgiu da floresta, parando para observar a cena com sua habitual expressão impassível. Com um simples gesto, uma barreira telecinética invisível envolveu as chamas, sufocando-as até que restasse apenas uma coluna de fumaça preguiçosa. O silêncio que se seguiu foi quebrado pela voz dele.

— Não era mais fácil só ter pedido a comida?

Hana apenas assentiu, cabisbaixa. Cael se aproximou e, em um gesto que chocou a todos, pousou a mão sobre a cabeça dela. Foi um toque lento, quase desajeitado, seus dedos afundando brevemente nos cabelos dela antes de se retirarem.

— Eu já pedi. Deve chegar daqui a pouco.

Hana ficou imóvel, o rosto corando intensamente. Maya estava de olhos arregalados. Apenas Nina, por algum motivo, sentiu um déjà vu, como se a ternura daquele gesto fosse uma memória antiga. Cael então se aproximou de Nina, ainda no colo de Maya, e repetiu o gesto, um cafuné suave em sua cabeça.

Maya observou, e por um segundo, preparou-se para receber um também, uma esperança boba que foi ignorada pela distração de Cael. Mas então, algo estranho aconteceu. A mão de Nina, em um ato que pareceu não nascer dela, ergueu-se, segurou o pulso de Cael e guiou a mão dele até o topo da cabeça de Maya.

Cael e Maya congelaram, surpresos pelo gesto instintivo. A própria Nina pareceu confusa com o que acabara de fazer.

Antes que o silêncio pudesse ser quebrado, a campainha tocou. Cael se afastou para atender. Minutos depois, estavam todos à mesa, comendo. Menos Cael, que observava de pé, em seu canto. Maya respirou fundo, criando coragem.

— Escuta, Cael. Você não acha que poderia adiar um pouco o treinamento da Nina?

— Não. — A resposta foi uma parede.

— Mas ela não deve estar disposta. Essa madrugada...

— Eu sei o que aconteceu de madrugada. — Ele a cortou. — Mas a avaliação dela não será adiada, então ela precisa se preparar.

— O que há de tão importante nessa avaliação? — A indignação transbordou na voz de Maya.

— Você não sabe porque passou sem saber. Mas a avaliação que ela vai fazer é feita pelo governo. Eles peneiram alunos com potencial. Os que não passam, se não forem nobres, não poderão continuar os estudos em nenhuma escola legalizada. Por isso é importante que ela passe.

A revelação caiu sobre Maya como um balde de água fria. Ela nunca soube o real propósito daquele teste.

— Mas... pelo menos pegue um pouco mais leve com ela.

— Eu não quero assim!

A voz de Nina, alta e firme, surpreendeu a todos. Ela se levantou na cadeira, os olhos brilhando com uma convicção nova.

— Eu estou bem! Não precisa pegar leve comigo! Eu vou conseguir! — Um sorriso confiante se espalhou por seu rosto.

Cael a observou, notando a mudança. A menina assustada da madrugada havia desaparecido, dando lugar a uma determinação que ele não reconhecia. Maya estava igualmente surpresa. Hana apenas sorriu por trás de sua xícara de café.

— Antes, termine o café. Só vá lá para fora daqui a trinta minutos. — Disse Cael, sua voz contendo um novo respeito.

Ele se virou e saiu para o jardim, deixando para trás um silêncio cheio de perguntas.

O sol da manhã já estava alto no céu, um disco branco e forte que aquecia o quintal e afastava os últimos resquícios do frio da madrugada. A grama, ainda úmida, brilhava sob a luz. Os trinta minutos que Cael havia estipulado se arrastaram como horas para Nina. Ela já estava de pé no centro do quintal, o corpo pequeno vibrando com uma energia contida, os olhos fixos em Cael, que permanecia encostado na parede da casa, impassível.

Ele finalmente se moveu, seus passos lentos e deliberados enquanto se posicionava a vários metros dela. Ele via a impaciência nos pés dela, que dançavam sobre a grama.

— Vamos lá. Se prepare. — Disse ele.

— Você demorou para pedir. Eu já estava pronta desde antes. — A resposta dela veio rápida, com uma confiança que fez Cael erguer uma sobrancelha.

SPLAT.

Antes que a última sílaba deixasse os lábios dela, uma bola de lama se materializou no ar e a atingiu em cheio no ombro, deixando uma mancha escura e úmida na sua regata vermelha. O cheiro de terra molhada preencheu o ar.

— Estava pronta, né? — A ironia na voz de Cael era quase palpável. — E desde quando você fala assim?

Nina não respondeu. Limpou a lama do ombro com um gesto rápido e se pôs em guarda. A mudança foi instantânea e chocante. A postura não era mais a de uma criança tentando imitar um lutador; era a de uma guerreira. Os joelhos flexionados na angulação perfeita, o centro de gravidade baixo, os olhos fixos, calculistas. Cael sentiu um calafrio. Aquilo não era uma impressão errada. Aquilo era real.

Com um gesto de sua mão, dezenas de esferas de lama se ergueram do chão, orbitando ao seu redor como um enxame mortal. O que se seguiu não foi um treino de minutos, mas uma batalha que se estendeu pela manhã.

A primeira bola foi lançada. Nina não se movia como no dia anterior. Cada deslize, impulsionado por uma micro-rajada de energia vermelha, era preciso, econômico. BZZZT! O som agudo cortava o ar. O cheiro de ozônio se misturava ao da terra. Ela não apenas desviava, ela usava o impulso para se reposicionar, transformando a defesa em uma oportunidade. A grama sob seus pés era rasgada a cada deslize, deixando rastros vermelhos de energia residual.

Cael aumentou a intensidade. As bolas de lama agora voavam de múltiplas direções, um bombardeio caótico. E Nina respondeu. Seus movimentos eram um borrão. Ela deslizava para a esquerda enquanto disparava uma rajada que interceptava um projétil vindo da direita. O som de seus disparos e o THWUMP surdo da lama se chocando no ar criavam uma sinfonia de combate. Hana e Maya, que observavam da soleira da cozinha, estavam de queixos caídos. Aquilo não era aprendizado, era maestria.

Então, ela fez o impossível.

Com uma rajada disparada diretamente contra o chão, ela se lançou no ar. O impacto levantou um pequeno anel de poeira e o recuo a impulsionou para cima, a uns quatro metros de altura. Seu corpo girou, ficando paralelo ao solo, os cabelos da maria-chiquinha chicoteando o ar. Ali, suspensa por um instante que pareceu durar uma eternidade, seus olhos brilharam, e ela liberou uma rajada que não era um feixe, mas um arco. Uma lua crescente de energia rubra que cortou o ar em direção a Cael.

Ele apenas ergueu a mão, e a energia se dissipou a centímetros de seu rosto com um chiado, como água em uma chapa quente. Mas o espanto já havia se instalado.

— Ela luta melhor do que eu. — Maya sussurrou, a voz cheia de uma admiração incrédula. — Mas... ontem ela não lutava assim.

Aproveitando a suposta distração, Nina usou o recuo de outra rajada para se impulsionar para a frente, ainda no ar, uma bala vermelha apontada para Cael. Ela estava perto, perto o suficiente. Mas o ar ao seu redor engrossou, tornando-se uma parede invisível. Ela parou a centímetros do peito dele, o corpo vibrando com a energia contida. Com um gesto quase desdenhoso, ele a empurrou para trás com sua telecinese.

Ela pousou de pé, desequilibrada, mas não derrotada. O olhar que ela lhe dirigiu não era o de uma criança frustrada, mas o de uma estrategista avaliando um objetivo.

"O que há com ela? Não parece que eu estou vendo uma criança na minha frente." — O pensamento de Cael era uma mistura de orgulho e uma profunda inquietação. Mas, no momento seguinte, a ilusão se quebrou. Ao tentar se reposicionar, os pés de Nina se enroscaram e ela caiu de cara no chão. — "Será que eu estou interpretando errado?"

Nina se levantou, limpando a terra do rosto, a frustração de uma criança finalmente visível. Ela olhou para o chão, para Cael, e uma nova ideia pareceu surgir. Partiu para a ofensiva, disparando rajadas diretas, que Cael dissipava com facilidade.

— Ele não vai mais usar a lama? — Hana comentou. Maya permaneceu em silêncio, notando o mesmo. Cael não estava mais testando a defesa dela. Estava testando sua resistência.

As horas passaram. O sol, que antes estava alto, começou sua lenta descida em direção ao horizonte, alongando as sombras no quintal. Nina atacava de todos os lados, seus movimentos rápidos deixando rastros na grama, mas cada ataque era anulado. O cansaço começou a pesar. Sua respiração ficou ofegante, um tremor sutil percorrendo seus braços. A dor pelo uso excessivo do poder começou a pulsar atrás de seus olhos. Ela estava no limite.

Então, com um último grito de esforço, ela não mirou em Cael. Mirou no chão, a seus pés.

KABOOM!

A rajada atingiu a terra com força, levantando uma nuvem espessa de poeira e detritos que engoliu Cael, cegando-o momentaneamente. Era a brecha. Sua última chance. Usando a fumaça como cobertura, ela avançou.

Cael, no entanto, permaneceu imóvel dentro da nuvem de poeira. Ele sentiu mais do que viu, sua percepção se estendendo para além da visão normal. Ele sentiu a aproximação dela, os passos desesperados na grama. Ele a viu se aproximando, a mãozinha estendida. Ele podia pará-la. Seria fácil.

Mas não o fez.

Quando a poeira baixou, a cena estava selada. A pequena mão de Nina estava firmemente pousada na perna do gigante. O silêncio que se seguiu foi mais alto que qualquer explosão. Ela conseguiu.

Cael a pegou no colo, e um sorriso, um sorriso genuíno, pequeno e raro, surgiu em seus lábios.

— Você conseguiu.

Ao verem aquilo, lágrimas silenciosas escorreram pelos rostos de Hana e Maya. O som dos soluços contidos foi o único aplauso. Nina, exausta e vitoriosa, abraçou Cael com força, enterrando o rosto em seu peito. Quando as duas se aproximaram, ele fez um gesto sutil. Nina havia adormecido, entregue ao esgotamento total.

Um pouco depois, Cael a colocou na cama. O corpo da menina, antes tão tenso e cheio de energia, agora estava completamente relaxado. Com um gesto sutil, ele usou sua telecinese para puxar a sujeira do corpo dela, uma nuvem de poeira e terra que se dissipou no ar, e então a cobriu com o lençol.

— Só desta vez. — Disse ele, a voz um sussurro.

O curioso é que ainda eram quatro da tarde, mas o esforço de Nina havia sido tamanho que seu corpo simplesmente se desligou, mergulhando em um sono profundo, muito antes do anoitecer.