ATO 1 — A RETIRADA DOS FERIDOS

O vento frio atravessava a noite como uma lâmina fina.

Ao longe, o campo devastado ainda soltava pequenas colunas de fumaça — uma lembrança cinzenta do vulcão vivo que quase consumira os Dez.

Mas agora... era silêncio.

Um silêncio que não trazia paz.

Apenas o peso do que quase aconteceu.

O chão ainda fumegava como um corpo recém-abatido.

Cada sopro de vento levantava cinzas quentes, como se o campo inteiro fosse um túmulo gigante do qual ninguém deveria ter saído vivo.

Kaelios avançava pela frente, mas mesmo ele — o Protetor do Vento Vivo — andava como alguém que sentia o peso do impossível nas costas.

Não urgência.

Não pressa.

Desespero.

Atrás dele, Altherion cambaleava.

O líder do Círculo.

O símbolo de invencibilidade.

Tremendo.

Tremendo ao carregar Dante, cujo corpo queimava como se ainda houvesse magma correndo sob a pele.

A respiração dele parecia vapor saindo de uma chaleira no limite.

— Aguenta... — Altherion murmurava, a voz fraca, quase uma súplica. — Aguenta só mais um pouco...

As mãos dele — mãos que já derrotaram monstros que faziam montanhas tremerem — agora tremiam ao tentar manter um garoto vivo.

Némaia, logo atrás, segurava Ryu como se carregasse um bebê feito de cristal quebrado.

A luz nas mãos dela vacilava.

— Não... não desliga... — ela disse, a voz trêmula. — Ryu, por favor... fica comigo...

Mas Ryu estava tão pálido que parecia estar sendo apagado da existência, centímetro por centímetro.

Nami viu aquilo...

E o mundo pareceu encolher ao redor dela.

— Ryu... — o nome saiu como soluço engasgado.

Kael mancou até chegar perto, mas quase caiu ao tentar alcançar o amigo.

A dor tomou todo o seu corpo.

Mas ele ignorou.

— Ele vai... ele vai ficar bem... — Kael disse.

Mas...

A voz dele quebrou antes do fim da frase.

Não havia certeza.

Não havia conforto.

Havia apenas medo.

Maira, com o braço dobrado de maneira grotesca, ainda tentava manter Lukas de pé.

A cada passo dela, um som seco.

O som de ossos roçando onde não deveriam.

Lukas arfava, o rosto sujo, os olhos cheios de dor e de algo mais: o medo de que aquilo... fosse só o começo.

Jessica tentava manter Sophia consciente.

Sophia parecia estar caminhando dormindo, o olhar perdido no vazio, o corpo tremendo em ondas involuntárias.

— Fica comigo... — Jessica pedia, quase chorando. — Só mais um pouco...

E então vinha Aiden.

Aiden quase arrastava o próprio corpo.

Cada passo levantava uma trilha de sangue e gelo derretido.

O corte no peito ainda não tinha fechado.

Era profundo demais.

Letal demais.

Aiden respirava com dificuldade — e cada respiração era um risco.

Eles eram dez.

Dez jovens.

Mas naquele momento...

Eram dez sobreviventes de uma tragédia que nenhum jovem deveria enfrentar.

O campo fumegava.

As cinzas subiam.

O cheiro de queimado impregnava o ar.

E, pior do que tudo, a ameaça pairava:

Vor'Gath poderia voltar a qualquer instante.

E nenhum deles tinha força para enfrentar nem o eco de um golpe dele.

A cada passo...

...um deles quase desmaiava.

...um deles perdia o controle das pernas.

...um deles se apoiava em outro.

...todos lutavam apenas para continuar respirando.

A tragédia não tinha acabado.

Eles apenas tinham sido arrastados para fora dela.

ATO 2 — O OLHAR DO CÍRCULO

Astraim parou no topo da elevação rochosa, observando os Dez se aproximarem como sombras de jovens que haviam sido arrancados da beira da morte.

O vento frio da noite levantava cinzas ao redor dele — cinzas ainda quentes, como se o campo inteiro estivesse tentando respirar depois de quase ser incinerado.

Ele apertou o cajado, os dedos embranquecendo.

— Estamos ficando pequenos demais... para uma guerra tão grande... — disse ele, com a voz de alguém que percebeu que o abismo era mais fundo do que imaginava.

Ilmaris aproximou-se, o manto carbonizado, o rosto marcado por cortes ainda pulsantes.

— Os últimos ataques... — começou ele, tentando manter a voz firme — ...foram mais fortes que qualquer coisa registrada em décadas.

Não é somente aumento... é multiplicação.

Ele apontou para o horizonte negro, onde o campo destruído parecia ainda tremer debaixo da terra.

— Primeiro, Korran roubando o artefato.

A fera de metal selvagens... que sumiu sem deixar rastros.

Ele atacava territórios humanos com frequência. Agora... desapareceu.

Astraim cerrou os olhos.

— Desapareceu... ou está esperando.

Ilmaris continuou:

— Depois, Klyrion no oeste, com seus clones.

Os rastros dele cortam a floresta inteira, mas nunca encontramos o original.

Arctéan chegou carregando Lyra nos braços. A garota sussurrava palavras desconexas — talvez dor, talvez memórias distorcidas do combate.

Arctéan completou, a voz pesada:

— Klyrion recuou antes de hoje.

O ataque dele acabou sem motivos.

E Korran sumiu no mesmo dia.

Astraim concluiu, somando as peças:

— Eles não vieram hoje... porque isso... — ele apontou para o campo arruinado — ...era outra coisa.

O silêncio caiu com o peso de uma rocha.

Ilmaris respirou fundo, a expressão perturbada.

— E então... o Guerreiro de Lava.

Vor'Gath.

Um ser que não deveria existir fora de rituais complexos...

E mesmo assim...

A voz dele falhou.

— Ele quase matou 6 integrantes dos defensores e 1 recém desperto.

- E ainda deu trabalho para alguns da elite do círculo do poder.

Arctéan limpou o suor da testa com o antebraço.

— O que significa que, se Vor'Gath estava sozinho hoje...

Korran e Klyrion continuam soltos.

Os três Arautos continuam escondidos.

E nenhum deles se envolveu.

Astraim sentiu o estômago afundar.

— Isso foi uma investida... sem os capitães das trevas.

A constatação foi mais apavorante que qualquer rugido.

Kaelios, até então em silêncio, ergueu o olhar para o céu escurecido.

— Vocês não sentiram? — perguntou, a voz baixa. — Durante a luta... durante a fuga...

Todos se viraram para ele.

— Havia olhos sobre nós.

Não de Vor'Gath.

De cima.

De longe.

Ilmaris engoliu em seco.

— Korran?

— Klyrion?

Kaelios balançou a cabeça.

— Não.

Esses dois atacam diretamente.

O olhar que senti... observava sem querer interferir.

Astraim empalideceu.

— Os Arautos.

Kaelios confirmou:

— Eles estavam estudando a Luz.

Estudando os jovens.

O vento parou por um instante, como se o mundo estivesse ouvindo.

Arctéan olhou para os jovens — cobertos de sangue, queimaduras e poeira — e viu não apenas feridos.

Viu marcadores.

Alvos.

— Se..."isto" foi só um teste... — Arctéan disse, a voz quase falhando — ...o ataque real vai destruir cidades inteiras.

Ilmaris desviou o olhar, sem coragem de responder.

Astraim tocou o chão com a ponta do cajado.

— Os Arautos estão escondidos.

As criaturas menores estão recuando.

E os grandes... estão surgindo sozinhos.

Kaelios concluiu, num sussurro grave:

— É o prenúncio de uma invasão.

E estamos lutando... com números que não fazem frente.

Ninguém respondeu.

Porque todos sabiam que era verdade.

Vor'Gath não foi a batalha.

Foi o aviso.

E em algum lugar, no ventre das trevas...

Korran, Klyrion e os Arautos das Sombras assistiam.

Esperando.

Planejando.

Escolhendo o próximo momento para atacar.

ATO 3 — CHEGADA AO CENTRO DE CUIDADOS

Quando atravessaram o perímetro seguro do Círculo do Poder, o chão reagiu imediatamente.

As runas sob os pés de Kaelios despertaram, subindo por suas botas como rios de luz líquida.

Pilares luminosos se ergueram ao redor, formando um arco que abriu caminho para o Centro de Cuidados da Luz Primordial.

Lá dentro, tudo parecia vivo.

Cristais respiravam.

Colunas de energia pulsavam como corações expostos.

E a água viva flutuava, moldando-se em formas que lembravam mãos gigantescas prontas para curar ou estabilizar.

Os curandeiros, magos e sacerdotes olharam — e congelaram.

Por um instante, o silêncio foi total.

Depois... caos.

— Estabilizador nível três! Agora!

— Ele está perdendo calor interno! Rápido!

— A luz dele está quebrando! Segurem a runa!

— Esse braço... meu Deus... preparem as talas espirituais!

Eles correram como se a vida de todos estivesse em contagem regressiva.

DANTE

Dante foi colocado numa plataforma de cristal azul.

O leito reagiu, sugando calor do corpo dele tão rápido que os cristais ficaram vermelhos.

As veias dele brilhavam — não com luz, mas com dor.

A cada respiração, um tremor.

Ele fechou os olhos, e dentro da cabeça dele...

...a imagem do punho de Vor'Gath se repetia, queimando.

RYU

Ryu foi levado para o centro do salão.

Uma enorme runa circular, cheia de linhas vivas, puxou-se para cima do peito dele como tentáculos de luz.

— Segurem o fluxo! — gritou uma sacerdotisa. — Ele pode se desfazer!

Ryu não respondia.

Mas seu corpo tremia levemente.

Como se algo dentro dele gritasse.

KAEL

Três curadores rodearam Kael.

Um segurava a cabeça dele para que não apagasse.

Outro apertava uma runa no peito do garoto para estabilizar a aura.

O terceiro passava as mãos pelas costelas fraturadas, recolocando-as com leves ondas de vento controlado.

Kael tentava manter os olhos abertos.

Mas cada piscada mostrava flashes da luta.

O rosto de Vor'Gath.

O calor.

A força esmagadora.

AIDEN

Aiden caiu de joelhos ao chegar ao leito.

Dois magos o pegaram pelos braços, puxando-o para a cama de compressão mágica — um leito que se fechou ao redor dele como uma carapaça de gelo vivo.

— Rápido! Ele perdeu muito sangue!

— Coloquem o selo! Agora!

O gelo subiu pelo torso dele, pressionando, remendando, alinhando.

Aiden mordeu os dentes.

A dor era tanta que o fez ver manchas pretas.

Mas ele não reclamou.

Não podia.

MAIRA

Maira tentou sentar, mas o braço dela pendia...

sem vida.

Uma curandeira encostou o dedo no braço quebrado, e uma tala luminosa se formou, envolvendo o membro como se fosse feita de vidro vivo.

A dor era insuportável — mais do que qualquer impacto físico.

O olhar de Maira estava distante...

como se algo dentro dela também tivesse sido quebrado.

NAMI

Nami foi envolvida por uma esfera de água curativa.

A água flutuava, girava, restaurava tecido queimado.

Mas quando a água tocou as mãos dela, ela estremeceu.

Não pela dor física...

...e sim pelo medo de não conseguir proteger ninguém outra vez.

As lágrimas se misturaram à água.

E a esfera brilhou mais forte por um instante.

LYRA

Lyra ainda estava desacordada.

Quando o leito a recebeu, raízes vivas surgiram do cristal, envolvendo-a como um casulo.

As raízes tremiam, reagindo à dor dela.

Como se a própria natureza sofresse junto.

LUKAS, JESSICA, SOPHIA

Os três humanos foram levados para uma ala paralela.

Lukas sentou-se enquanto dois curadores examinavam suas costelas e contusão interna.

Mas sua atenção estava em outra coisa.

Em tudo o que havia acontecido perto dele.

Em cada tragédia que coincidia com a presença dos seus amigos.

Era coincidência?

Era destino?

Ou...

O olhar dele vacilou.

Jessica e Sophia estavam recebendo cuidados ao lado.

Nenhuma das duas conseguia parar de tremer.

Curandeiros murmuravam para estabilizar o coração emocional delas.

Runas rosadas se formavam sobre seus peitos, como tentativas de acalmar o trauma.

E atrás delas...

cinco vigias do Círculo permaneceram imóveis.

Um de cada lado.

Três atrás.

Jessica percebeu primeiro.

Engoliu seco.

Sophia também notou.

E apertou o pulso, nervosa.

Algo ali... não fazia sentido.

ATO 4 — OS FAMILIARES

As portas do Centro de Cuidados se abriram devagar, como se tivessem medo de liberar mais dor.

Entraram os pais.

Pais que não deveriam estar ali, mas que ninguém ousou parar.

Havia algo na postura deles...

algo nos olhos...

algo no modo como a energia do lugar reagia à presença deles...

...como se aquela sala reconhecesse cada um deles antes mesmo de entrarem.

Mas nada disso foi dito.

Nem deveria ser — não ainda.

Pais de Kael e Maira —

A mãe deles veio primeiro.

Dava para ver o momento exato em que o coração dela rachou — quando seus olhos encontraram o braço destroçado de Maira, suspenso por talas de luz que tremiam como uma chama em vento forte.

Ela levou a mão ao rosto, mas nenhum som saiu.

A dor ficou presa entre os dedos.

O pai permaneceu ao lado, mas o olhar dele estava em Kael — afundado no leito, costelas envoltas em luz vibrante, o vento ao redor dele tentando protegê-lo... e falhando.

— Eles... os dois... — a mãe sussurrou, sem conseguir terminar.

— Eles voltaram. — o pai completou, mas a voz estava baixa demais para ser firme.

Um silêncio duro caiu entre eles.

Um silêncio que carregava algo não dito —

como se aquela cena fosse um medo antigo... conhecido deles há muito tempo.

Eles estavam acostumados a ver ferimentos desse tipo.

Mas nunca nos próprios filhos.

Eles se afastaram antes que Kael ou Maira despertassem.

Pais de Lyra — emoção crua, desespero contido

A mãe de Lyra foi a segunda a vacilar.

Ela não caminhou.

Ela avançou como se estivesse sendo puxada diretamente pelo coração.

Ao ver a filha envolta em raízes enfermas, queimadas, vibrando fraco... ela levou a mão ao peito, respirou fundo — e falhou.

As lágrimas vieram sem som, mas não suavemente.

Elas vieram como se rasgassem algo por dentro.

— Minha menina... minha flor... o que fizeram com você...?

A voz dela se quebrou nas últimas palavras.

O pai se ajoelhou ao lado do leito.

Seus dedos tocaram as raízes, e elas reagiram — mudando de tom, tremendo levemente, como se a reconhecessem.

Ele fechou os olhos, e por um instante, parecia estar rezando para alguém... ou para algo.

— Ela sempre sentiu mais do que deveria... — murmurou.

— E mesmo assim... tentou salvar todos os outros primeiro.

Havia orgulho.

Havia dor.

Havia algo mais — algo que ele não ousou dizer.

Eles recuaram antes que Lyra pudesse sonhar com a presença deles.

Pais de Nami — amor afogado, dor silenciosa

Os pais se aproximaram da câmara de água onde Nami flutuava.

A mãe dela pressionou a mão contra o vidro aquoso.

A superfície ondulou sob o toque — reconhecendo-a.

Ela fechou os olhos, respirando fundo como se fosse se afogar.

— Ela sempre teve tanto amor dentro dela... — disse, voz trêmula.

— Mas ninguém deveria amar tanto assim... a ponto de se queimar por isso.

O pai aproximou-se devagar, mas a voz dele carregava uma força que não vinha do corpo — vinha de algum lugar quebrado dentro dele.

— Nami herdou mais do que imagina.

— E agora... está pagando o preço disso.

A mãe virou os olhos para ele.

— Você acha que ela sabe?

O pai hesitou — por apenas um instante.

Mas isso foi o suficiente para mostrar que havia alguma verdade oculta ali.

— Não. Ainda não.

Eles ficaram ali mais alguns segundos, como se suas próprias presenças pudessem manter a filha viva.

Depois se afastaram, limpando o rosto rapidamente.

Pai de Dante — o homem que parecia encolher

O pai de Dante caminhou devagar — cada passo pesado como uma culpa antiga.

Ao ver o filho preso em cristais vermelhos, pele queimada, calor irradiando... ele soltou um som curto, baixo, quase um suspiro de dor que não pôde ser contido.

Ele encostou a palma da mão no cristal.

O calor o fez recuar por reflexo.

— Sempre tão teimoso... tão valente... — murmurou, com a voz vazando pelos cantos.

— Queria provar ao mundo que era forte... quando nem precisava.

Ele fechou os olhos, e uma memória passou por dentro deles.

Uma memória que ninguém ali conhecia.

— Eu devia ter te contado mais coisas... antes...

Mas ele não terminou a frase.

Não podia.

Dante se mexeu involuntariamente, murmurando algo sem força.

O pai quase correu para trás, como se o filho não pudesse — não devesse — vê-lo ali.

Mãe de Aiden — frio por fora, quebrada por dentro

A mãe de Aiden parou diante da cápsula gélida.

O ar ao redor dela ficou visivelmente mais frio — como se reagisse à sua proximidade.

Ela tocou a barreira cristalina, e gelo se formou onde seus dedos encostaram.

Não por acidente.

Como se ela e aquela temperatura conhecessem uma à outra.

— Você sempre teve medo de machucar alguém com esse frio... — ela disse baixinho.

— E agora... foi o frio que te machucou.

A voz dela falhou.

— Meu amor... meu menino... eu devia ter te ensinado melhor...

Um curandeiro se aproximou, mas ao ver o olhar dela, recuou.

Não queria — ou não ousava — interrompê-la.

Ela ficou ali por mais tempo que os outros.

Observando o filho como se tentasse memorizar cada detalhe.

Depois virou-se, e pela primeira vez...

parecia menor que o próprio reflexo.

Pais de Ryu — amor que quase paralisa

Os pais de Ryu pararam a metros do leito — como se houvesse uma barreira invisível.

E talvez houvesse.

A mãe levou a mão à boca ao ver o símbolo vivo brilhando no peito do garoto.

Um brilho instável, perigoso.

Vivo demais.

Ela deixou escapar um sussurro:

— Era cedo demais...

— Muito cedo...

O pai tentou segurar o ombro dela, mas sua mão tremia.

— Não era pra acontecer assim... — disse ele, voz baixa demais.

— Não antes de...

Ele parou a frase no meio.

Nem ousou completá-la.

O símbolo pulsou — forte — como se respondesse ao que ele não disse.

Ambos recuaram imediatamente.

E ficaram ali, parados, encarando o filho como se ele fosse ao mesmo tempo...

...a maior bênção deles...

...e o maior medo deles.

Os familiares reuniram-se mais próximos, quase formando um círculo quebrado.

As vozes eram sussurros, mas carregavam peso demais para serem ignoradas:

— Era pra ser mais tarde...

— Eles não deveriam ter começado tão cedo...

— Está acelerando tudo...

— Não podemos interferir...

— Não dessa forma...

— Mas se eles morrerem...?

— Não morrerão.

— E se morrerem?

Uma mãe interrompeu, com lágrimas caindo:

— Eles são nossos filhos.

O silêncio que se seguiu foi maior que qualquer resposta.

Altherion e Lukas — tensão antiga, nunca explicada

O Senhor do Raio caminhava pelo corredor, aura rasgada, olhos carregados por algo além de preocupação.

Quando passou diante do quarto de Lukas, ele parou.

Não por curiosidade.

Não por acaso.

Mas por reconhecimento.

Lukas ergueu o olhar, desconfortável sob a presença do líder do trovão.

— Senhor...?

Altherion não respondeu de imediato.

Ele ficou encarando Lukas por longos segundos.

Longos demais para serem casuais.

Havia algo na forma como ele o observava.

Um peso.

Uma lembrança.

Uma pergunta não feita.

E então murmurou:

— Ainda nada... curioso.

Lukas franziu o cenho.

— Como assim... nada? O que você quer dizer com isso?

Altherion desviou os olhos por um instante — e esse pequeno gesto doeu mais do que qualquer resposta direta.

— Descanse, Lukas. — disse, mas havia algo não dito pairando atrás da frase.

Algo que o garoto não conseguia nomear.

Ele deu alguns passos...

parou...

olhou o jovem mais uma vez...

E foi embora.

Lukas respirou fundo.

O coração acelerado.

Sem saber por quê.

Mas sentindo, pela primeira vez, que havia algo errado.

Algo grande.

Algo que sempre esteve ali...

...mas que ninguém nunca lhe contou.

ATO 5 — LUKAS, A DESCONFIANÇA QUE COMEÇA A DOER

Lukas estava sentado em um canto isolado do Centro de Cuidados, com o ombro envolto em bandagens e o pulso imobilizado.

Ele já não sentia tanta dor no corpo...

mas a mente dele queimava.

Os curandeiros corriam de um lado para outro.

Luzes piscavam.

Runas se moviam.

Guerreiros da Luz falavam em códigos, trocando olhares tensos.

E ao redor dele...

todos os amigos estavam caídos.

Dante envolto em cristais vermelhos.

Aiden respirando de forma irregular.

Kael pressionando as costelas.

Maira sem conseguir mover o braço.

Nami flutuando numa cápsula aquática.

Lyra murmurava inconsciente.

Ryu... nem parecia estar realmente ali.

Eles estavam quebrados.

Machucados de um jeito que nenhum adolescente deveria estar.

Lukas sentiu o estômago revirar.

Ele olhou para cada um deles, um de cada vez.

Observou todas as feridas.

Todos os gemidos.

Todos os tremores.

E a mesma pergunta insistia em ecoar na sua mente — cada vez mais alta:

Por que sempre nós?

Ele pensou:

"Não é normal. Não é possível. Não é coincidência."

Há meses — talvez mais — tudo que dava errado naquela cidade parecia esbarrar neles.

Sempre eles.

Sempre juntos.

Sempre no centro.

Ele engoliu seco.

— Não faz sentido... — murmurou para si mesmo.

E então...

a memória mais recente surgiu como um trovão:

o olhar de Altherion.

A forma como o Senhor do Raio parou diante dele.

A forma como o encarou —

não como um garoto comum...

...mas como alguém que ele já conhecia.

A frase que não deveria existir:

"Ainda nada... curioso."

Lukas franziu o cenho, apertando os dedos contra o curativo.

Ainda nada?

Curioso?

Por que o líder do trovão diria aquilo para ele?

Para ele, que não tinha poderes.

Para ele, que nem deveria estar ali.

A respiração de Lukas acelerou.

Algo em seu peito vibrou — não magia, não luz, não trevas...

mas medo.

Medo do que ele não sabia.

Medo do que ninguém estava dizendo.

Medo do que estava acontecendo — e do que poderia acontecer.

Ele respirou fundo, tentando conter a ansiedade crescendo dentro do peito.

"O que você sabe sobre mim, Altherion?"

"Por que você me olha daquele jeito?"

"Por que parece que estou... fora do lugar... e ao mesmo tempo no centro de tudo?"

O garoto fechou os olhos, pressionando as têmporas.

Quanto mais ele pensava...

mais sentia que estava sendo empurrado para dentro de um quebra-cabeça do qual não lembrava ter feito parte.

Ou pior:

Um quebra-cabeça do qual ele nunca teve escolha em participar.

Ele abriu os olhos outra vez.

Olhou para seus amigos destruídos.

E sentiu algo estranho...

um peso no peito...

um aviso interno...

que não sabia de onde vinha.

Algo sussurrava — não em palavras, mas em sensação:

"Você está no meio disso por um motivo."

Lukas respirou fundo, o coração acelerado.

E pela primeira vez...

...ele não teve certeza se queria descobrir qual era esse motivo.

Mas sabia que não podia ignorar por muito mais tempo.

A dúvida queimava demais.

A desconfiança era forte demais.

E o silêncio do Círculo...

...era assustador demais.

ATO 6 — OS ARAUTOS E O ENIGMA

O subterrâneo não tinha paredes nem teto.

Era apenas um vazio, uma ausência, um espaço onde a luz não ousava existir.

E ali estavam eles.

Vareth, parado como uma estátua feita de escuridão sólida.

Seris, com os véus ondulando mesmo sem vento, seus olhos seguindo linhas invisíveis no ar.

Norath, cuja presença parecia pesar mais do que o próprio espaço ao redor.

O livro recuperado repousava no pedestal — tremendo como se tivesse medo do que seria dito ali.

As páginas viravam sozinhas.

Seris foi a primeira a quebrar o silêncio, sua voz ecoando como sussurros sobrepostos:

— O selo foi rompido.

— Vor'Gath abriu o caminho... exatamente como previsto.

Vareth aproximou a mão do símbolo marcado na página.

O mesmo símbolo que brilhava no peito de Ryu — mas nenhum deles mencionou o garoto diretamente.

— Korran e Klyrion serviram bem — murmurou ele, sem emoção.

— Mas agora... a trilha verdadeira começa.

Norath inclinou o corpo, as sombras ao redor dele se mexendo como tentáculos afogados.

— A Terceira Chave não é objeto.

É... consciência.

Seris tocou o livro e, ao seu toque, as linhas antigas começaram a se mover — vivas, serpentinas.

O livro se abriu abruptamente, revelando o enigma completo:

"Onde a Luz teme dormir, a Terceira Chave se erguerá."

"E o dia em que for vista... o mundo tremerá."

Norath soltou um som baixo, quase um riso arranhado.

— Eles ainda procuram nos lugares errados.

Vareth fechou o livro com um gesto — e o impacto ecoou como um trovão abafado no vazio.

— Que continuem procurando.

— Quando descobrirem... será tarde demais.

As sombras ao redor deles se ergueram como ondas negras.

E, em um instante, os três desapareceram, engolidos pelo próprio nada.

O livro ficou sozinho.

E fechou as páginas lentamente, como se estivesse tentando esconder a verdade que acabara de revelar.

ATO 7 — A ESCOLA SEM HERÓIS

Um único dia passou.

Depois dois.

Depois três.

E, à medida que o tempo avançava sem notícias dos Dez, Solarion afundava em rumores venenosos.

O colégio já não era apenas silencioso.

Era um ninho de fofocas.

De ódio.

De medo.

Corredores cheios de pôsteres rasgados.

Professores cochichando sobre "comportamento perigoso".

A diretora reunida em "conselhos de emergência".

E grupos inteiros evitando mencionar os nomes dos ausentes.

E no centro de tudo isso...

Os Sete Rivais.

As Sete Serpentes.

Reinando.

Reno — O "novo líder"

Reno caminhava pelo corredor como se fosse um general inspecionando tropas.

O sorriso dele era veneno puro.

— Já perceberam, né? — disse, alto o suficiente para ecoar. — A escola funciona melhor sem eles. Menos drama... menos violência... menos ataques misteriosos.

Ele abriu os braços, como quem celebra.

— Sério... um "vulcão" entrar em erupção bem perto da cidade?

— Só quando eles somem.

— Coincidência? NÃO me parece coincidência.

Alguns alunos se entreolharam, nervosos.

Reno riu.

— Aposto que foram fazer aqueles rituais estranhos de novo e... bum.

O corredor explodiu em cochichos.

Violet — A propagadora do caos

Violet segurava o celular como se fosse uma arma.

Notificações piscavam.

Stories subiam a cada minuto.

— Já viram as notícias? — ela disse, mostrando a tela. — "Erupção anormal. Área interditada. Investigação urgente."

Ela deu de ombros.

— Alguém aí duvida de que a culpa é deles?

Um grupo de alunos negou com a cabeça imediatamente.

— Eu avisei — Violet continuou. — Ninguém normal atrai tanto desastre.

Ela suspirou, teatralmente.

— Pobre Solarion... Sempre paga pelos erros dos outros.

Ilia — A língua mais afiada do colégio

Ilia falava com duas líderes de torcida, rindo alto demais.

— Jess sumiu?

— Problema dela. Finalmente vão ver quem realmente merece liderar.

Ela virou os olhos.

— Lyra desapareceu também?

— A menina vivia fora da realidade. Deve ter surtado.

E então, com um sorrisinho cruel:

— Nami está "ferida"? Ah, por favor... que novidade. Vive inventando drama pra ganhar atenção.

As garotas riram — uma risada tensa, mas funcional.

Ninguém queria contrariar Ilia.

Craven — O arquiteto da desgraça digital

Craven estava encostado no armário, laptop aberto, dedos voando no teclado.

— Atualizando... liberando... enviando... — murmurava.

— Programando mais vinte posts para hoje.

— Notícias sobre "atividade paranormal"... excelente gatilho emocional.

Ele virou o notebook para Nirse.

— Olha isso. Até jornais pequenos estão compartilhando nossas "testemunhas".

Nirse sorriu.

— Quando a mentira é boa... ela anda sozinha.

Craven continuou:

— Em duas semanas, os Dez serão lenda urbana.

— Um pesadelo da escola.

— Párias completos.

O brilho frio no rosto dele deixava claro:

Ele estava adorando cada segundo.

Nirse — O estrategista do veneno

Nirse apoiou-se num banco, cruzando os braços.

— A diretora está cansada de acidentes.

— Os professores estão com medo.

— Os pais estão cobrando respostas.

Ele ergueu o queixo, satisfeito.

— Nós só precisamos... manter a narrativa viva.

Violet riu.

— Eles sumiram bem na hora da "erupção". É perfeito demais.

Nirse completou:

— E sabe o melhor?

— QUANTO mais os professores se preocupam...

— Mais eles vão querer líderes responsáveis.

— Estáveis.

O grupo inteiro sorriu de forma cruel.

— Nós.

Skam — A serpente silenciosa

Skam caminhou entre eles com calma.

Sempre o mais quieto.

Sempre o mais perigoso.

Ele parou no centro do grupo.

— Eles não voltam — disse, devagar. — Não assim.

— E se voltarem... vão voltar quebrados.

O sorriso dele era fino como lâmina.

— E aí, será muito fácil terminar o que começamos.

Um silêncio pesado caiu ao redor deles.

Os alunos que estavam perto recuaram.

Porque havia algo na voz de Skam...

algo que parecia capaz de matar a esperança de alguém com uma frase.

O corredor inteiro ouviu.

E pior: acreditou.

Ninguém defendeu os Dez.

Ninguém levantou a voz por eles.

Ninguém questionou.

No vácuo deixado pelos heróis...

as Serpentes tomaram o poder.

E Solarion, que antes vibrava com luz, agora parecia um lugar onde até o sol evitava entrar.