ATO 1 — PESADELOS QUE NÃO SE APAGAM

A primeira noite no Centro de Cuidados foi um aviso.

Um aviso de que eles não estavam seguros.

De que talvez nunca mais estivessem.

As luzes piscavam em silêncio.

Os corredores tremiam com o vento das máquinas espirituais.

A energia do prédio parecia respirar... e às vezes, falhar.

O medo era um paciente invisível ali dentro.

MAIRA — A GUERREIRA QUE NÃO AGUENTA MAIS SER FORTE

Maira não dormiu.

Ela desmaiou.

E mesmo inconsciente... tremia.

O braço engessado não era o problema.

O problema era a dor que não parava, vindo de um lugar mais profundo que os músculos.

O movimento que ela fez na batalha — o avanço desesperado para proteger Kael, a tentativa de bloquear Vor'Gath com o próprio corpo — deixou marcas que os curandeiros ainda não conseguiam entender.

A magia de cura passava pelo braço dela...

E queimava.

Literalmente queimava.

Como se o corpo de Maira tivesse absorvido parte da força demoníaca que a atingiu.

A curandeira responsável por ela analisou o enxerto espiritual ao redor do ferimento.

— A resposta dela está oscilando... — murmurou. — Não deveria... isso não deveria estar acontecendo...

As runas da tala brilhavam.

Depois falhavam.

Depois brilhavam de novo.

Um ciclo instável.

Um ciclo perigoso.

Maira respirou fundo — uma respiração fraca, curta, cheia de dor.

No sonho, ela revivia o momento exato da pancada.

O choque.

O estalo.

O som da carne retorcendo.

E o pânico nos olhos de Kael.

— Não... — ela sussurrou dormindo, a voz quebrada. — Não deixa... ele...

O corpo dela se contraiu.

A ferida espiritual reagiu com um clarão.

A curandeira ficou pálida.

— O braço dela está... rejeitando o próprio elemento... isso é impossível...

As talas vibraram.

As runas tremeram.

E uma fissura surgiu — uma rachadura lilás, como se a energia de Maira estivesse quebrando por dentro.

Ela acordou com um grito preso na garganta.

Não conseguiu sentar.

Não conseguiu falar.

Só sentiu.

Sentiu o medo.

Sentiu a dor.

Sentiu que, se forçasse um pouco mais... aquele braço não seria salvo.

E pior:

Sentiu que talvez...

nem ela fosse.

Uma lágrima escorreu.

Ela fechou os olhos com força.

— Eu... ainda estou aqui... — sussurrou para si mesma.

Mas a verdade é que, naquela noite, Maira não tinha certeza disso.

Não mesmo.

KAEL — O VENTO FERIDO

Kael acordou sufocando.

O ar não entrava.

O vento ao redor dele se contorcia, como se tentasse fugir do próprio mestre.

Ele levou as mãos ao peito.

Sentiu as costelas flutuarem.

Algo estalou por dentro.

A dor subiu como uma lâmina quente.

Ele lembrou do soco de Vor'Gath.

Lembrou do impacto.

Lembrou do mundo girando.

— Não... — Kael arfou.

Fechou os olhos.

Magma explodiu em sua cabeça — não um som externo, mas uma memória física, dolorosa, insuportável.

O punho do demônio.

A sombra.

A morte chegando perto demais.

Kael engasgou com o ar.

Por um segundo, ele achou que ia apagar ali mesmo.

E achou que... talvez... não voltasse.

NAMI — A QUE MAIS SANGROU POR DENTRO

Nami despertou dando um soluço tão profundo que fez a água da cápsula se partir em ondas.

Ela tossiu.

Bolhas subiram da garganta.

A água tentou acalmá-la... mas estava instável, tremendo de um jeito perigoso.

O curandeiro correu até o vidro.

— Pressão espiritual subindo! — ele alertou. — Ela está reagindo mal ao próprio elemento!

A cápsula reagiu com espumas.

Luzes azuis piscaram dentro do líquido.

As lágrimas de Nami se misturaram com o fluxo, perdidas em um mar que quase a sufocava.

Ela tremia.

O corpo inteiro tremia.

— Eu... — ela tentou dizer algo. — Eles... quase...

Sua voz falhou.

O trauma não era apenas dor física.

Era a certeza sufocante de que quase perdeu todo mundo.

Era a culpa.

Era o medo.

Era a água querendo afundar junto com ela.

DANTE — O CORAÇÃO EM CINZAS

Dante não acordou gritando.

Ele acordou sem ar.

A ferida no peito queimava — mas não como antes.

Era uma queimação funda, que parecia puxar a alma para fora.

Ele levou a mão à ferida.

Sentiu calor.

Calor demais.

As ataduras... estavam escuras.

Queimadas.

O curandeiro que monitorava Dante arregalou os olhos.

— Não... não pode ser... — murmurou. — A ferida está reabrindo... sozinha?

As runas de cura no corpo de Dante brilharam.

E racharam.

Dante sentiu a pele queimar.

Sentiu o peito repuxar.

— Agh—!

Ele virou o rosto para o lado.

E vomitou... sangue.

Vermelho escuro.

Espesso.

O curandeiro empalideceu.

— Chama reversa... — sussurrou, horrorizado. — O fogo dele está queimando por dentro... está queimando o corpo dele...

Dante apertou os dentes.

Ele sentiu que podia morrer.

Ali.

Naquela cama.

Sentiu que o fogo iria consumi-lo por completo.

E o pior?

Havia uma parte dele que já aceitava isso.

AIDEN — O LAGO QUEBRADO

Aiden virou de lado.

E o grito saiu antes que ele percebesse.

A ferida no peito latejava.

Não era calor.

Não era dor.

Era gelo.

Tanto gelo que parecia rasgar de dentro para fora.

Jessica levantou da cadeira num salto.

— Aiden! Ei! Olha pra mim! — ela seguiu a voz, desesperada. — Respira comigo!

Mas Aiden não conseguia.

A mente dele estava presa no sonho —

um lago congelado rachando sob seus pés.

Uma fissura enorme abrindo.

E ele afundando.

Caindo.

Quando acordou, o ar não entrava.

Jessica segurou o rosto dele com as duas mãos.

— Aiden! Estou aqui! Olha pra mim! Olha!

Ele tentou focar.

Tentou.

Mas os olhos só mostravam gelo.

Gelo.

E mais gelo.

Ele sentia que estava morrendo devagar.

LYRA — A FLORESTA QUEIMADA

Lyra não gritou.

Ela chorou dormindo.

As raízes no corpo dela se contraíam, como se estivessem tentando respirar por ela.

A queimadura espiritual era profunda.

Devastadora.

Irradiava por baixo da pele como brasas presas.

Ela sussurrava nomes de árvores.

Tocava o ar como se quisesse alcançar folhas inexistentes.

E cada nome era uma folha caindo.

Arctéan entrou aos passos largos quando viu as runas ao redor da cama dela falharem.

— Não... não, pequena... — ele murmurou, colocando a mão sobre a testa dela. — Não vá aonde sua dor está levando você...

Lyra abriu os olhos.

Eles estavam vermelhos.

— Eu... não consegui proteger nada...

As palavras eram facas.

Arctéan respirou fundo.

E apertou a mão dela.

— Você salvou vidas.

— Salvou os seus amigos.

— E a floresta... a floresta não te culpa.

Ela fechou os olhos.

E chorou como alguém que perdeu um pedaço de si mesma.

RYU — O VAZIO

Ryu era o mais quieto.

Quieto até demais.

Ele não se mexia.

Não reagia.

Não sonhava.

Ou talvez sonhasse... e estivesse preso lá.

Némaia estava ao lado dele, com as mãos tremendo.

Ela olhava as runas instáveis no peito do garoto, linhas que deveriam brilhar com luz — mas tinham manchas escuras, sombras infiltradas.

— Ryu... por favor... volta pra gente... — ela sussurrou.

O corpo dele não respondeu.

Kaelios chegou poucos segundos depois.

O olhar dele endureceu ao ver a mancha espiritual que tomava o peito de Ryu.

— Isso não devia estar acontecendo... — murmurou. — Essa sombra... não é normal.

Ele tocou o ombro do garoto.

Nada mexeu.

Nenhum vento respondeu.

Nem um fio de energia reagiu ao toque.

Kaelios fechou os olhos, tenso.

— Ele está... entre dois caminhos.

— E não posso puxá-lo de volta sozinho.

O curandeiro do plantão engoliu seco.

— Mestre Kaelios... ele pode...?

Kaelios não respondeu.

O silêncio respondeu por ele.

LUKAS — O DESPERTAR DO MEDO

Lukas não conseguiu dormir.

Nem por um segundo.

Ele olhava os amigos — cada um em seu leito — e sentia um nó apertar sua garganta.

Um nó que dizia:

Eles podem não levantar.

Eles podem não voltar.

Alguns podem já estar indo.

Lukas apertou os punhos até os dedos doerem.

— Não... — ele sussurrou para si mesmo. — Vocês não vão morrer. Vocês não vão...

Mas a voz tremeu.

E a noite continuou escura demais para promessas.

ATO 2 — A RECUPERAÇÃO É MAIS LENTA QUE A DOR

Isso não era recuperação.

Era sobrevivência.

E nem todos estavam vencendo.

KAEL

Kael tentou levantar.

O corpo não deixou.

A dor o travou.

E pior: por um instante, ele realmente achou que a dor não acabaria nunca.

NAMI

Nami tentou abrir a cápsula.

A água explodiu contra o vidro.

O curandeiro gritou:

— Se sair agora, você MORRE!

Nami congelou.

E chorou.

DANTE

Dante tossiu sangue pela segunda vez no mesmo dia.

O curandeiro não conseguiu esconder o pânico.

— A chama reversa está... se espalhando.

Dante fechou os olhos.

E pela primeira vez desde que despertou...

Ele teve medo de morrer.

AIDEN

Aiden desmaiou tentando levantar.

Jessica o segurou no colo, chorando.

— Por favor, não... não faz isso comigo...

Ele não ouviu.

O gelo estava vencendo.

LYRA

As raízes queimadas escureceram ainda mais.

Arctéan trocou três vezes os selos de cura.

Nenhum funcionou direito.

Lyra segurou a mão dele.

— Eu vou morrer?

Arctéan fechou a mão sobre a dela.

— Não hoje.

— Não se eu puder impedir.

Mas sua voz tremeu.

RYU

Ryu continuava imóvel.

Os curandeiros já não cochichavam.

Agora... rezavam.

ATO 3 — QUANDO O AMOR E A AMIZADE RESPIRAM

A dor não desapareceu nos dias seguintes.

Mas algo mais forte começou a crescer.

Algo silencioso.

Algo humano.

Algo que as Sombras jamais conseguiriam corromper.

LUKAS → LYRA

Lukas ainda mancava, mas insistiu com dois curandeiros até que o deixassem andar alguns metros além do permitido.

Ele precisava vê-la.

Mesmo que fosse apenas por um minuto.

Mesmo que doesse.

O corredor onde Lyra estava era iluminado por lamparinas verde-pálido — luz natural, suave, usada apenas em pacientes com afinidade com a Vida.

Lukas respirou fundo antes de entrar.

Lyra jazia envolta por raízes de cura, o corpo marcado de queimaduras profundas que ainda cicatrizavam. A pele, antes cheia de nuances verdes, agora exibia tons escuros, feridos. Mas ela ainda era... ela.

A garota que iluminava corredores.

A menina que conhecia o nome de cada árvore.

A pessoa que acreditava nele antes dele acreditar em si mesmo.

Lukas se aproximou devagar.

— Lyra...? — sussurrou, com medo de quebrá-la com a própria voz.

Os olhos dela se abriram lentamente.

Quando o viu, algo dentro dela amoleceu.

Os lábios tremeram.

As raízes ao redor reagiram com um balançar leve, como se reconhecessem um amigo.

— Luka... você não devia estar andando... — murmurou.

Ele riu baixo, uma risada carregada de dor e alívio.

— E você não devia estar... quase morrendo. Então acho que estamos quites.

Ela tentou sorrir.

A expressão que surgiu no rosto dela foi frágil, mas real.

Lukas encostou a testa na dela, sem tocar os ferimentos.

— Você me assustou pra valer... — disse, voz quebrada. — Quando te tiraram dos escombros... eu achei...

Ele não terminou.

Não precisava.

Lyra fechou os olhos e deixou uma lágrima escorrer pela raiz que lhe tocava o ombro.

— Eu tô aqui... — respirou. — E você também.

Os dois ficaram ali, silenciosos, mãos quase se tocando, sem coragem de fechar o espaço, mas sem vontade de abrir.

E naquele instante, não eram guerreiros.

Eram só dois jovens que quase perderam um ao outro.

MAIRA → DANTE

Dante dormia mal, o rosto marcado por cinzas antigas.

As ataduras em seu peito ainda fumegavam às vezes — um lembrete de que seu despertar quase o matou.

Maira entrou no quarto dele com passos firmes, apesar do braço engessado.

Ela não pediu permissão.

Apenas entrou.

O coração dela apertou quando viu Dante tentar dormir encolhido, como alguém tentando não ocupar espaço. Ele sempre fora fogo, sempre ocupara o mundo... e agora parecia pequeno.

— Ei, grandão... — Maira disse baixinho.

Dante abriu os olhos devagar.

Quando viu Maira, o olhar dele quebrou.

— Achei que você tava dormindo... — murmurou.

Ela se sentou ao lado dele, com dificuldade.

— E achei que você tava vivo. Tô confirmando.

Ele soltou uma risada fraca.

Maira pegou a mão dele — quente, trêmula.

Ele hesitou... e então entrelaçou os dedos nos dela.

— Dante... — ela chamou, voz suave demais para quem era capitã de vôlei. — Você não precisa fingir força pra mim.

Os olhos dele brilharam.

— Se eu desmoronar... você desmorona junto.

— Errado. — ela apertou a mão dele. — Se você desmoronar, eu te seguro.

Dante respirou fundo.

E pela primeira vez em dias... deixou o rosto cair no ombro dela.

Maira passou a mão boa no cabelo dele, devagar, como quem apaga incêndios invisíveis.

— Você não morreu. — sussurrou. — Isso já é mais do que suficiente pra mim.

Dante não respondeu.

Não precisava.

As lágrimas quentes dele na pele dela disseram tudo.

KAEL → NAMI

Kael demorou cinco dias para conseguir ficar de pé.

Cinco dias de costelas costuradas, oxigênio cortando o peito e memórias do fogo devorando o ar.

Mas no sexto... ele levantou sozinho.

— Não devia fazer isso ainda! — reclamou o curandeiro.

Kael apenas sorriu, teimoso.

— Eu preciso ver ela.

O corredor das cápsulas aquáticas ecoava com som de água calma. Mas a cápsula de Nami... tremia levemente, como se contivesse uma tempestade presa.

Kael se aproximou, respiração curta.

Quando a viu, o mundo parou.

Nami flutuava imóvel, olhos fechados, dos braços emanando pequenas correntes que se dissolviam na água. Havia tristeza agarrada à pele dela. Medo em cada fio de cabelo.

Kael tocou o vidro.

— Nami... sou eu.

Os olhos dela se abriram — devagar, como se acordasse de um mar profundo.

Quando viu Kael...

A cápsula inteira tremeu.

A água reagiu ao coração dela.

Ondas suaves formaram-se, quase um abraço líquido.

Kael sorriu — um sorriso quebrado, mas sincero.

— Eu tô vivo, tá? — disse, a voz falhando. — Graças a você.

Nami encostou a mão dela no vidro, do outro lado.

— Eu achei que você ia... — a voz afogou-se. — Quando eu te vi caído... eu... eu quebrei, Kael.

Ele respirou fundo, ignorando a dor.

— Eu voltei. — disse. — Porque eu queria te encontrar aqui.

Os olhos dela brilharam.

A água ao redor se iluminou com pequenos reflexos — emoções puras.

Kael aproximou a testa do vidro.

— Eu gosto de você, Nami. Eu... acho que sempre gostei. Só não percebi o quanto até quase te perder.

Nami levou a mão à boca, surpresa e emoção misturadas.

— Kael...

— Eu não quero esconder isso mais. — continuou ele, firme apesar das costelas doendo. — Quando sairmos daqui, eu quero estar do seu lado. Se você quiser também.

Nami sorriu.

Um sorriso cheio de mar, de esperança, de vida.

— Eu quero.

A cápsula brilhou como se o próprio elemento aprovasse.

JESSICA → RYU

Ryu demorou mais que todos para acordar.

E quando acordou, parecia... diferente.

Quieto demais.

Observador demais.

Como se tivesse visto algo no limiar da morte que ninguém deveria ver.

Jessica entrou no quarto com passos hesitantes.

— Oi... — disse baixinho. — Vim ver como você tá.

Ryu levantou os olhos — aqueles olhos que sempre foram vivos, inquietos, cheios de energia.

Agora eram profundos demais.

— Jessica... — ele disse devagar. — Você... veio?

— Claro que vim! — ela respondeu, sentando ao lado dele. — Não ia te deixar sozinho nunca.

Ele olhou para as mãos, como se fossem novas.

— Eu... achei que ia morrer. — admitiu. — E o pior é que... eu nem tive tempo de dizer adeus pra ninguém.

Jessica sorriu e colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha.

Depois segurou a mão dele.

— Então dá pra mim agora.

Ryu ergueu o olhar.

— Adeus?

Jessica riu, emocionada.

— Não, bobo... dá pra mim o "oi". O "tô aqui". O "eu voltei".

O peito dele se afrouxou.

Ryu segurou a mão dela com força inesperada.

— Oi. — disse, com a voz tremendo. — Eu tô aqui.

Jessica encostou a testa na dele.

— E eu também.

ATO 4 — ALGUNS CONSEGUEM ANDAR... OUTROS LUTAM PARA VIVER

Mais alguns dias passaram.

Devagar.

Pesados.

Arrastando o medo junto.

O Centro de Cuidados parecia mais silencioso do que nunca — como se o prédio inteiro estivesse esperando um milagre... ou um desastre.

Kael conseguia andar, mas o passo era manco, tenso.

Maira movia o braço engessado com cuidado, a dor fazendo o rosto dela tremer.

Aiden respirava melhor, mas ainda colocava a mão no peito de tempos em tempos.

Sophia carregava mantas e compressas como se fossem escudos.

Jessica caminhava ao lado de Ryu, atenta a cada pequeno vacilo do garoto.

Lukas rondava os corredores, sem descanso, como se precisasse estar em três lugares ao mesmo tempo.

Quando os seis enfim se encontraram no pátio protegido por magia, nenhum deles sorriu.

Era um jardim bonito — folhas suspensas, luz suave, brisas artificiais — mas naquele momento não passava de um refúgio para feridos tentando não desabar.

Kael parou perto de uma árvore de luz.

As mãos trêmulas.

Os olhos fixos nos galhos.

— Ela não devia estar assim... — ele murmurou. — Lyra não... Ela sempre foi a mais forte entre nós.

Maira respirou fundo ao ouvi-lo.

— Kael... ninguém conseguiria sair ileso daquela luta. Nem ela. Nem eu.

Ele apertou as mãos.

Uma dor atravessou o olhar.

— Mas ver ela daquele jeito... parece que eu falhei.

Maira se aproximou, apoiando a mão boa no ombro dele.

— Você não tem culpa. Nenhum de nós tem. O que aconteceu... ninguém podia prever.

Kael não respondeu.

O silêncio pesou.

Aiden estava sentado numa pedra, gelo se formando devagar em seus dedos sem que ele percebesse.

Sophia tocou sua mão.

— Ei... tá saindo gelo de novo.

Aiden engoliu seco e fechou o punho.

— Eu sei. É automático quando penso neles. Em como estão. No Dante... na Lyra...

A voz dele falhou.

— E na Nami... — Sophia completou, suave. — Eu vi como ela estava hoje. Ela tentou sorrir pra mim, mas... parecia tão cansada...

Kael desviou o rosto ao ouvir o nome de Nami.

A preocupação estava tão evidente que ninguém teve coragem de comentar.

Jessica observava Ryu à distância.

Ele estava de pé... mas tambaleando.

Quase sem cor no rosto.

Os olhos vazios.

Como se um pedaço dele tivesse ficado no outro lado da escuridão.

Jessica suspirou.

— Eu fico olhando pra ele... e tenho medo de piscar. Medo de quando eu abrir os olhos... ele não estar mais aqui.

Ela tremia, pela primeira vez sem conseguir esconder.

Lukas se aproximou dela, devagar.

— Nós vamos cuidar dele. Juntos. — disse, firme. — Você não está sozinha, Jess.

Ela assentiu, mas o olhar ainda brilhava de lágrimas contidas.

O silêncio caiu entre eles.

Pesado.

Humano.

Cru.

Kael apoiou-se no tronco luminoso e falou num sussurro que quase não saiu:

— Eu não quero perder nenhum deles. Nenhum. Eu... eu não aguentaria.

Aiden respirou fundo, os olhos marejados.

— Eu também não. — murmurou. — Toda vez que fecho os olhos... lembro do corpo do Dante, caído, queimando... e do jeito que o Ryu parou de respirar por uns segundos... Eu... achei que fosse ver eles morrerem ali mesmo.

Sophia se aproximou dele, tocando seu ombro.

— Mas eles não morreram, Aiden.

— Ainda não. — ele respondeu, voz quebrada. — Mas... e se...?

Ninguém respondeu.

Porque todos pensavam a mesma coisa.

Maira encarou o horizonte, as mãos trêmulas.

— Eu não vou deixar eles irem embora. — disse, com firmeza. — Nem que eu tenha que ficar acordada todas as noites até eles se levantarem.

Kael olhou para ela.

— Maira...

Ela encarou de volta.

— Eu... não perdi a coragem. Só perdi um pedaço do braço. — ela deu uma risada curta, doída. — Mas coragem... isso eu ainda tenho.

Jessica se aproximou, com a voz mais suave do que nunca:

— E eles precisam dessa coragem agora. Todos eles. Principalmente os que estão perto do fim.

Lukas respirou fundo, tentando manter a postura, mas seus olhos...

Os olhos dele estavam vermelhos.

E pesados.

Olhos de quem carregava a responsabilidade de todos nas costas.

— Olha... — ele disse, a voz grossa. — Eu não sei o que vai acontecer nas próximas horas. Ou dias. Mas eu sei de uma coisa:

Ele apontou para o centro do jardim, como se pudesse ver as camas onde os amigos dormiam.

— Eles estão lá dentro lutando pela vida... porque nós lutamos por eles antes. E agora... é a nossa vez de lutar de novo. Só que do lado de fora.

Kael levantou o rosto.

Maira apertou o punho.

Aiden enxugou o rosto discretamente.

Sophia segurou firme as próprias mãos para não tremer.

Jessica olhou para Ryu como se fosse protegê-lo com o próprio corpo.

— Eles vão sair dessa. — Maira disse, com a voz de alguém que se recusa a aceitar o contrário. — Não importa o que aconteça. Eles vão.

Kael respirou fundo.

— Vão. — ele repetiu. — Porque a gente vai estar aqui... quando eles abrirem os olhos. Nem que demore. Nem que doa.

Aiden assentiu.

— Dessa vez... ninguém vai ficar sozinho. Nunca mais.

Um vento leve soprou entre as folhas.

Depois outro.

E outro.

Como se o próprio universo estivesse respondendo.

Como se dissesse:

Sim.

Eu ouvi.

Continuem.

O jardim esvaziou aos poucos.

As palavras já tinham sido ditas.

As promessas já estavam no ar.

Mas...

os gestos ficaram.

Pequenos.

Quase invisíveis.

Mas fortes o suficiente para segurar o mundo deles por mais um dia.

Kael → Nami

Quando os outros se afastaram, Kael passou pela cápsula de água.

Não acordou Nami.

Não falou com ela.

Só encostou a mão no vidro, com cuidado.

A água reagiu, formando um círculo suave onde seus dedos tocaram —

como um abraço silencioso.

Kael sorriu triste.

— Fica firme... por favor.

E saiu antes que o vento traísse o quão abalado ele estava.

Maira → Dante

Maira entrou devagar no quarto onde Dante dormia.

O peito dele ainda queimava por dentro.

As ataduras vibravam com calor.

Ele parecia em guerra mesmo dormindo.

Ela não o acordou.

Apenas ajeitou o lençol perto do pescoço dele.

Um gesto pequeno.

Um cuidado grande.

E sussurrou, encostando a testa no braço bom:

— Não me assusta assim... tá?

A voz quase não saiu.

Mas Dante se mexeu — como se tivesse ouvido.

Lukas → Lyra

Lukas entrou no quarto de Lyra sem fazer barulho.

A luz estava baixa.

A respiração dela, pesada.

As raízes queimadas brilhavam em vermelho fraco, pulsando dor.

Ele parou ao lado dela e respirou fundo.

Por um instante, parecia que o silêncio ia engolir tudo.

Lukas colocou sua mão sobre a dela.

Ele sempre teve mãos frias — e Lyra tinha a pele quente, febril.

As raízes em seu braço reagiram, só por um segundo, com um brilho suave.

Como se reconhecessem ele.

Como se lembrassem.

Lukas sorriu, emocionado e quebrado ao mesmo tempo.

— Eu estou aqui, Lyra...

— Não vou te deixar.

Ele ajeitou uma pequena flor de luz que havia caído do arranjo espiritual no quarto, colocando ao lado dela.

E ficou ali mais alguns segundos, olhando-a dormir.

Depois saiu em silêncio.

Como sempre fazia.

Jessica → Ryu

Jessica voltou para o quarto de Ryu como se fosse caminho automático.

Ele estava acordado — mas fraco, perdido, piscando devagar.

Ela segurou a mão dele.

Nenhuma palavra.

Ryu apertou sua mão de volta.

Com a pouca força que tinha.

Jessica sorriu pela primeira vez em dias.

— Eu tô aqui, Ryuzinho.

Ele fechou os olhos com paz.

🜁 Lukas (sozinho no corredor)

Quando todos se recolheram, Lukas ficou no corredor.

Ele não precisava ser visto.

Não queria ser.

Mas ajustou mantas.

Deixou água.

Organizou livros.

Preparou chá.

Checou portas.

Tudo sem fazer barulho.

Como quem cuida de um lar quebrado... mas ainda vivo.

Ele respirou fundo.

— Vocês vão voltar. Todos vocês.

E mesmo que ninguém tivesse ouvido...

O corredor pareceu acreditar.

ATO 6 - A ESCOLA SEM ELES

O contraste era cruel.

A câmera imaginária cortava entre:

Hospital → dor, silêncio, cura lenta, medo.

Escola → corredores cheios, risadas ocas, rotina seguindo como se nada tivesse acontecido.

Nos corredores da Solarion:

— "Eles sumiram, né?"

— "Acho que foram expulsos."

— "Pra mim, morreram. Ninguém sobrevive aquilo não."

Um trio de alunos riu.

Riu.

Como se fosse engraçado.

A ausência dos Dez virou fofoca.

Virou meme.

Virou história contada sem remorso.

E ninguém parecia sentir falta.

Os Sete Rivais caminhavam alinhados, ocupando espaço demais, confiança demais, poder demais.

Tomaram:

• os bancos da entrada,

• a quadra,

• o refeitório,

• os murais,

• os grupos de estudo,

• os clubes,

• e até o ar.

Era como se, finalmente, o mundo tivesse dado a eles o palco que tanto desejavam.

Reno, mãos nos bolsos, sorriso de dono da escola:

— Viu só? Bastou aqueles dez desaparecerem pra tudo ficar mais... respirável.

Violet, rodando o celular:

— Respirável não. Organizado.

Sem drama, sem explosão, sem "missões secretas".

Ilia, mexendo no cabelo com veneno:

— Francamente... a escola parecia novela mexicana com eles aqui.

Daryl, rindo alto:

— E pensar que eles achavam que eram os "protagonistas".

Nirse, com a calma calculada de quem estuda a fragilidade humana:

— A verdade é simples:

Quando alguém some... outros ocupam o espaço.

Ele olhou ao redor, satisfeita.

— E nós ocupamos muito bem.

Craven, com o tablet aberto:

— As redes sociais estão uma delícia.

Os posts sobre eles continuam subindo sozinhos.

O algoritmo ama uma tragédia adolescente.

Skam, silencioso, sombrio:

— E ninguém sente falta deles.

Um sorriso fino abriu no rosto dele, cortante.

— Perfeito.

ATO 7 — TRAMAS NA SOMBRA

Eles mergulharam num corredor lateral, livre de professores.

Reno encostou na parede e falou como quem dita um decreto:

— Enquanto eles estiverem fora... a gente aperta.

— Os boatos tão funcionando. O povo acredita em tudo.

Repetência, briga interna, crise nervosa...

Cara, é só empurrar que eles caem.

Craven, digitando sem parar:

— Agendei mais memes.

Alguns com "teorias de conspiração".

Engajamento lá em cima.

Violet:

— A Nami tá virando piada nacional.

Vocês viram o vídeo remixado? Eu quase chorei.

Ilia, com sorriso de veneno doce:

— A Lyra perdeu o clube ambiental sem nem estar aqui.

Sério. Ela não precisa aparecer pra perder tudo.

Nirse conclui:

— Em duas semanas...

somos a nova elite da Solarion.

Reno ergueu o queixo, vitorioso:

— E ninguém nem lembra mais deles.

ATO 8 — O MUNDO SEGUE... SEM OS HERÓIS

A cena corta para o hospital.

A luz fria.

Os monitores apitando.

Dante tossindo sangue.

Nami tremendo dentro da cápsula.

Lyra em coma febril, raízes queimadas pulsando dor.

Ryu imóvel, entre vida e morte.

Os outros — Kael, Maira, Aiden, Sophia, Jessica, Lukas — reunidos no jardim interno.

Tentando ser fortes.

Tentando acreditar.

Tentando não quebrar.

Maira segurando Kael pelo braço.

Sophia apoiando a testa no ombro de Jessica.

Aiden com gelo saindo dos dedos sem perceber.

Kael tentando não chorar na frente de ninguém.

Lukas encarando o chão como se fosse abismo.

Jessica murmurou:

— Eles estão lutando... né?

Kael respondeu, mas a voz falhou:

— Estão. Eles... eles têm que estar.

O vento soprou leve.

Como resposta.

Como promessa.

Como pedido.

Enquanto isso, a cena volta para a escola:

Reno rindo.

Ilia fofocando.

Craven editando.

Nirse calculando.

Daryl intimidando.

Violet influenciando.

Skam observando — sempre observando.

Como se o mundo tivesse seguido em frente.

E deixado os heróis para morrer.

ATO 9 — O SUSSURRO DAS SOMBRAS

A Solarion estava vazia naquele fim de tarde.

Os alunos já tinham ido embora.

As luzes automáticas estavam baixas.

O vento soprava pelas janelas como um aviso ignorado.

Mas no corredor central...

As Sete Serpentes ainda estavam lá.

Reno, Nirse, Violet, Ilia, Craven, Daryl e Skam caminhavam como se fossem donos do prédio — rindo, planejando, debochando de mais um boato espalhado, reclamando dos "fracassados" que sumiram.

Foi quando a luz no teto piscou.

Uma vez.

Duas.

E parou.

Violet franziu a testa.

— Isso foi estranho...

— Provavelmente só os sensores dando pau. — Craven disse, sem olhar para cima. — Esses corredores velhos sempre travam.

Mas o ar mudou.

Frio.

Pesado.

Como um quarto onde alguém acabou de apagar uma vela.

Skam parou de andar.

Ele não era o mais falante.

Mas era o que sentia coisas antes dos outros.

Seus olhos estreitaram.

— Vocês... sentiram isso?

Reno bufou.

— O quê? Sua imaginação? Relaxa.

Mas havia algo atrás deles.

Eles não viram.

Só ouviram.

Um arrastar suave.

Como tecido raspando o chão.

Ou como dedos passando pela parede.

Ilia se virou de repente.

Nada.

Mas quando ela respirou fundo...

Sentiu um cheiro estranho.

Cheiro de pedra úmida.

Cheiro de lugar fechado demais para pessoas vivas.

— Tá... alguém tá aqui? — ela perguntou, irritada. — Isso não tá engraçado!

Nirse caminhou até a janela.

O reflexo dela no vidro... não era só o dela.

Atrás, uma forma escura se movia.

Alongada.

Distorcida.

Quase humana.

Mas quando ela virou — nada.

O corredor estava limpo.

Vazio demais.

Daryl cruzou os braços, impaciente:

— Parem com isso. Vocês tão impressionados com coisa nenhuma.

A luz piscou de novo.

E dessa vez...

uma sombra se moveu entre eles.

Rápida.

Baixa.

Fluida.

Como fumaça viva.

Passou pelo pé de Violet.

Tocou a parede.

Subiu pelo teto como se tivesse vida própria.

Craven arregalou os olhos.

— Vocês tão vendo isso ou eu tô ficando louco...?

Reno abriu um sorriso — desses que tenta esconder medo.

— Deve ser efeito do véu.

— Ou alguma anomalia da escola.

— Nada demais.

Mas a sombra atrás dele se mexeu.

Chegou perto da nuca.

Quase tocou.

Quase.

E recuou.

Como se estivesse... farejando.

Como se estivesse escolhendo.

Skam foi o único que percebeu.

Ele levantou lentamente o olhar para o teto...

A sombra se espalhou como uma teia negra.

Sem olhos.

Sem forma.

Mas olhando para eles.

Para todos os sete.

Skam deu um passo para trás.

— Acho que... — ele murmurou, baixo — a escola não está tão vazia quanto a gente pensa.

Reno sorriu, tentando manter o controle.

— Ótimo.

— Que venha o que vier.

— A gente domina aqui.

A sombra no teto tremeu.

Como se tivesse achado graça.

Como se tivesse escolhido.

O corredor ficou escuro de repente — as luzes piscaram e apagaram.

Total escuridão.

Um sussurro saiu de algum canto.

Baixo.

Arrastado.

Quase não humano.

— ...vocês... vão servir bem...

E então, do nada, as luzes acenderam.

Tudo normal.

Nada no teto.

Nada no chão.

Nada atrás deles.

Só o corredor limpo.

Silencioso.

Como se nada tivesse acontecido.

Mas todos estavam pálidos.

Até Reno não conseguiu esconder.

Nirse passou a mão no braço, arrepiada.

— Vamos embora daqui.

E, enquanto se afastavam...

A sombra no canto do teto se condensou de novo.

Viva.

Atenta.

Paciente.

Ela os seguiu com olhar invisível.

E murmurou:

— ...logo...