ATO 1 - A ESTRATÉGIA DAS SOMBRAS

A poeira ainda não havia assentado quando Klyrion, envolto em rachaduras negras pulsantes, ergueu-se do asfalto.

A luz enferma que tremeluzia dentro de seu corpo parecia se reorganizar, como se sua essência quebrada estivesse… remendando-se sozinha.

Diante dele, Dante tremia.

Não de medo — mas do poder bruto que escapava de suas mãos como brasas vivas.

A aura quente vibrava ao redor dele como um coração recém desperto.

Klyrion tocou a própria mandíbula, onde o golpe de Dante havia trincado o cristal.

Um silêncio pesado caiu.

Depois, o guerreiro sombrio abriu um sorriso torto — não de dor, mas de compreensão.

— Então… mais um chama o fogo para si — murmurou Klyrion, sua voz soando como vidro arranhado. — A Luz se apressa… está desesperada.

Kael preparou o vento.

Maira ergueu os punhos.

Aiden cerrou o gelo nas mãos.

Nami e Lyra levantaram postura de combate.

Mas Klyrion ergueu apenas um dedo.

— Relaxem, pequenos. A minha missão… por enquanto… terminou.

Os jovens hesitaram.

Klyrion girou o corpo com elegância doentia, as rachaduras negras brilhando como brasas invertidas.

— Não confundam minha retirada com medo — disse ele, encarando Dante nos olhos. — O medo pertence a vocês. Eu apenas sigo a estratégia.

O Eclipse avança.

O Vórtice pulsa.

E o fogo que você liberou hoje…

Ele inclinou a cabeça, como um carrasco observando a próxima vítima.

— …quebrou um pedaço da prisão que mantínhamos fechada há séculos.

A rua tremeu.

O chão atrás de Dante se abriu numa fenda estreita, e algo subiu, exalando vapor quente e cheiro de rocha derretida.

Uma mão de magma.

Depois um ombro.

Depois um peito rachado por luz laranja viva.

Um ser de lava, fraco, quase esquelético, ergueu-se cambaleando.

Klyrion ergueu o queixo, satisfeito.

— O fogo desperta o fogo.

E o fogo nunca desperta sozinho.

Em seguida, Klyrion reduziu-se a uma miragem de vidro e se desfez, deixando no ar apenas o som distante de estilhaços caindo.

Não era fuga.

Era cálculo.

E ele sabia que havia vencido — mesmo partindo.

ATO 2 - O GUERREIRO DE LAVA DESPERTA

O guerreiro recém liberto respirou como uma fornalha faminta.

Rachaduras percorriam seu corpo, e cada uma brilhava em tons laranja e dourado. Ele olhou ao redor, desnorteado, e depois fitou Dante com algo que parecia… reconhecimento.

— Fogo… chama fogo… — murmurou com voz rouca.

Antes que pudesse avançar, Maira ergueu uma muralha. Lyra puxou Dante para trás. Aiden preparou gelo.

Mas o ser desabou de joelhos.

Fraco.

Incompleto.

Recém-nascido.

E ainda assim… perigoso.

Ele tentou falar algo, mas sua voz derreteu em vapor.

Então, a terra se abriu sob seus pés — não um ataque, mas uma reação do próprio Véu — e ele foi sugado de volta para um subsolo espiritual, desaparecendo no instante em que as sirenes dos bombeiros reais soaram ao longe.

A cidade veria apenas:

“Explosão por vazamento de gás.”

Assim o Véu decidiu.

Assim seria lembrado.

ATO 3 — APRESENTANDO DANTE À SEDE DOS DEFENSORES

Horas depois, nos corredores iluminados do quartel dos Defensores da Luz, Dante caminhava com passos desconfortáveis.

— Mano, vocês têm tipo… um QG secreto? De verdade? — perguntou ele, admirado e apavorado.

Maira riu de leve.

— Bem-vindo ao caos organizado.

Aelia Straylight abriu a porta principal e avaliou Dante como quem analisa um artefato instável.

— O despertar dele foi explosivo — disse Aelia. — O fogo respondeu antes que ele conseguisse chamá-lo.

Saren, precisamos treiná-lo antes que ele incinere metade da cidade por acidente.

Saren cruzou os braços, observando Dante com olhos âmbar.

— Fogo é impulso. Fogo é verdade crua.

Ele vai precisar de disciplina.

Muita disciplina.

Dante engoliu seco.

— Alguém me explica… o que eu virei?

Kael colocou a mão no ombro dele.

— Um de nós.

Aiden completou:

— Um Desperto.

Lyra:

— Um guerreiro.

Nami sorriu:

— Um problema.

E Maira fechou:

— …mas agora é nosso problema.

Dante sorriu, nervoso, mas orgulhoso.

ATO 4 — SEMANAS DE TREINO (VERSÃO AMPLIADA E PROFISSIONALIZADA)

O tatame de pedra vibrava levemente sob os passos dos jovens.

Saren caminhava em semicírculo diante deles, mãos cruzadas atrás do corpo — a postura de um veterano que carregava mais guerras do que histórias.

Ele inspirou fundo.

— Escutem com atenção.

O que enfrentaram até agora foi apenas o convite. O verdadeiro inimigo não perdoa hesitação.

E hesitação nasce quando um guerreiro não entende como ele luta.

Saren bateu o calcanhar com firmeza. O tatame respondeu com um brilho leve.

— Existem estilos de combate. Muitos. E cada guerreiro, cedo ou tarde, descobre qual chama conversa melhor com o próprio espírito.

Alguns misturam dois estilos. Outros seguem um único caminho até o fim.

Mas todos devem conhecer o conjunto inteiro.

Nami ergueu a mão.

— Estilos… espirituais?

Saren sorriu de lado.

— Físicos, energéticos, híbridos. Tudo nasce do mesmo fundamento:

Ele ergueu um dedo.

— Energia é limitada.

Até energia espiritual.

Ele caminhou entre eles, pausado, didático, quase solene.

— Guerreiros que dependem apenas de poderes se esgotam rápido. Porque…

Levantou o segundo dedo.

— Energia espiritual não é infinita em combate.

Ela se recupera, sim — com descanso, meditação, rituais, foco — mas não durante a batalha.

Numa luta real, você tem poucos minutos antes que seu corpo entre em exaustão.

Dante franziu a testa.

— E quando ela acaba?

Saren parou. A atmosfera ficou mais pesada.

— Quando a energia espiritual se esgota…

Ele tocou o peito.

— …entra em jogo a energia vital.

Aelia aproximou-se, completando:

— Energia vital é a força que mantém vocês vivos.

Circula nos músculos, na mente, nos órgãos, na própria essência.

Ela também é limitada… mas demora muito mais para se recuperar.

Saren continuou:

— Quando a energia espiritual acaba, a vital assume para manter seu corpo de pé.

Mas sem energia espiritual, você perde reforço, resistência, velocidade, foco.

Seu corpo luta sozinho.

E o corpo… cansa.

Aelia baixou o tom da voz:

— Se um guerreiro, desesperado, converter energia vital em espiritual, ele cria uma força momentânea…

Mas em troca…

Ela enumerou devagar:

— Dores agudas.

— Fadiga muscular extrema.

— Tremores.

— Perda de visão.

— Desorientação.

— Falha respiratória.

— Hemorragias internas, em casos graves.

— E no limite… colapso vital.

Todos silenciaram.

Até o ar pareceu prender a respiração.

Saren concluiu:

— Por isso, guerreiros usam combate corpo a corpo.

Golpes físicos não gastam energia espiritual.

São eficientes, diretos, e mantêm você vivo quando seus poderes se exaurem.

Ele ergueu os cristais flutuantes.

— Agora, os estilos.

ATO 5 OS PRINCIPAIS ESTILOS DE COMBATE ESPIRITUAL

Saren ergueu alguns cristais brilhantes, cada um representando uma escola antiga.

Antes de explicar, fez questão de reforçar:

— Nenhum guerreiro luta igual ao outro.

Mesmo duas pessoas com o mesmo elemento podem seguir estilos diferentes.

O estilo é uma conversa entre o corpo, o espírito e o temperamento do guerreiro.

Descobrir o estilo certo é tão importante quanto dominar o próprio poder.

1. Estilo Pedra — O Impacto Primário

Força · Resistência · Golpes curtos e brutais

Para guerreiros que lutam com o corpo como arma.

Focado em:

quedas

agarrões

cabeçadas

empurrões

impacto direto

Ideal para quem tem físico forte e espírito firme.

Maira demonstrou com uma ombrada que rachou o tatame.

2. Estilo Raiz e Luz — Mobilidade com Precisão

Agilidade · Ritmo · Ataques híbridos

Mistura golpes rápidos com ataques espirituais leves.

Favorece:

esquivas

cortes curtos

movimentação fluida

ataques surpresa

Lyra saltou e finalizou com uma raiz surgindo do chão.

3. Estilo Mar e Névoa — Controle e Permanência

Distância · Fluxo contínuo · Resistência energética

Para guerreiros estratégicos, que mantêm energia ativa por longos períodos.

Foca em:

ataques de longa distância

manipulação constante

leitura emocional

criar e manter terreno favorável

Nami manteve esferas de água por mais de um minuto sem perder forma.

4. Estilo Gelo Estrutural — Defesa e Leitura de Campo

Calma · Contra-ataque · Estruturas técnicas

Ideal para guerreiros analíticos.

Usa:

paredes

prisões

bloqueios

devoluções rápidas

Aiden desviou ataques com pilares de gelo perfeitamente angulados.

5. Estilo Vento Fluido — O Caminho da Mobilidade

Imprevisibilidade · Movimentação · Ambiente

Favorece guerreiros de corpo leve e raciocínio rápido.

Usa o ambiente como ferramenta.

Baseado em:

velocidade

mudar direções

confundir o oponente

Kael escalou uma parede usando rajadas de vento como trampolim.

6. Estilo Fogo Ascendente — Instinto e Explosão

Poder bruto · Crescimento rápido · Risco

É o estilo mais perigoso.

Focado em:

explosões

impulsos

ofensiva agressiva

golpes que crescem de intensidade

Mas exige controle emocional absoluto.

Dante tentou lançar fogo — e explodiu forte demais, caindo sentado.

Saren respirou fundo.

— Vai ser demorado…

7. Estilo Arcano Sombrio — Magia Ritualística

Rituais · Runas · Sacrifícios · Energia concentrada

Aelia explicou:

— Bruxos não lançam magia como nos contos.

Eles moldam energia espiritual através de rituais, símbolos, contratos e oferendas.

É um estilo de estudo, precisão e risco.

8. Estilo Arcanista — Energia Pura

Manipulação direta · Escudos · Golpes invisíveis

Saren continuou:

— Manipular energia sem elemento é instável.

Só guerreiros extremamente experientes dominam esse tipo.

É o estilo mais técnico de todos.

9. Estilo Bestial — O Instinto Primal

Velocidade · Fúria · Reflexos

Para seres que lutam com instinto puro — lobisomens, feras espirituais, alguns demônios.

— É brutalidade refinada — explicou Saren. — Uma mistura de selvageria e consciência.

10. Estilo Lâmina Espiritual — Armas Elevadas

Armas canalizadoras · Fluxo elemental · Combos híbridos

Armas tornam-se extensões do espírito.

Alguns guerreiros canalizam elementos por espadas, lanças ou foices.

Requer sincronia completa entre guerreiro e arma.

Saren respirou fundo e passou o olhar firme pelo grupo.

— Agora vocês entendem.

Ninguém aqui vai dominar tudo.

Vocês precisarão descobrir o estilo de vocês…

Aprender a dosar energia…

E saber quando a luta exige corpo, espírito ou ambos.

Aelia completou com serenidade:

— Quem depende apenas de poderes… cai.

Quem depende apenas do corpo… é superado.

O equilíbrio é o caminho.

O grupo assentiu, sentindo o peso — e a urgência — de cada palavra.

ATO 6 — A ELITE RETORNA

O silêncio no tatame foi quebrado por um estrondo distante — como se pedra tivesse colidido com aço espiritual.

As luzes da arena tremeram.

A porta dupla abriu-se com violência.

Korvus atravessou o limiar primeiro, com roupas queimadas e olhos ardendo de adrenalina e desgaste.

Selene vinha logo atrás, mancando, runas na pele apagadas como brasas morrendo, sangue descendo pelo braço.

Arctéan fechava a formação — imponente, mas visivelmente cansado, o manto rasgado e o ombro marcado por uma garra feita de pura sombra.

Os jovens se levantaram imediatamente.

Kael arregalou os olhos.

Aiden deu um passo para trás.

Até Maira, que raramente se abalava, ficou tensa.

Selene passou o dorso da mão pelo rosto, limpando um filete de sangue antes que pingasse no tatame.

— Impedimos o ritual… mas foi por pouco. — admitiu, com a voz falhando de cansaço e tensão.

Korvus respirou fundo, como alguém que carregava más notícias na alma.

— Era uma célula de bruxos. Eles tinham um artefato roubado… e abriram doze portais menores ao mesmo tempo.

Doze.

Os jovens prenderam a respiração.

— E cada portal — continuou Korvus — cuspia criaturas do Vórtice sem parar.

Aiden murmurou:

— Quantas…?

Arctéan tirou o manto e o jogou no chão. O peso do tecido parecia carregar o próprio peso do combate.

— Não contamos.

Mas eram dezenas.

Talvez centenas.

Criaturas pequenas, fracas… mas muitas. Incontáveis.

Selene assentiu, os ombros tombando.

— E esse é o perigo dos portais menores: não trazem criaturas poderosas, mas trazem uma enxurrada das fracas.

E se você não mata todas… elas se multiplicam.

Destroem bairros. Cidades.

Korvus estalou o pescoço, raivoso.

— E tudo isso… tudo… é parte de um plano maior para enfraquecer a barreira entre o Vórtice e a Terra.

Uma rachadura por vez.

Os jovens trocaram olhares confusos.

Foi então que Saren cruzou os braços e deu um passo à frente, assumindo o papel de historiador, mestre e testemunha do mundo.

Saren tocou o chão, ativando um mapa espiritual que emergiu como um holograma vivo.

Linhas de luz e trevas, como nervuras do mundo, conectavam pontos dispersos.

— Ouçam com atenção.

Isso não é ensinado a iniciantes.

Mas vocês deixaram de ser iniciantes no momento em que enfrentaram Klyrion e sobreviveram.

Ele ampliou um dos pontos luminosos.

— Antes da guerra entre Luz e Trevas… o caminho entre o Vórtice e a Terra era livre.

Não existiam barreiras.

Não existiam selos.

Nem limites.

Criaturas caminhavam de um reino ao outro como quem atravessa uma fronteira invisível.

Algumas traziam conhecimento.

Outras caos.

A maioria… apenas existia.

— Era equilíbrio — disse Saren. — Selvagem. Perigoso. Mas equilíbrio.

Kael inclinou o corpo para frente, intrigado.

— E então… por que selar esses portais?

Saren apontou para os pontos mais escuros no mapa.

— Porque as Sombras começaram a expandir seu domínio por esses caminhos.

Elas queriam tomar a Terra.

E quando a Luz percebeu que não poderia vencer pela força…

Ele passou o dedo pelo mapa, e oito enormes estruturas circulares apareceram.

— …os guerreiros mais poderosos da Luz decidiram selar os Portais Ancestrais.

Dante piscou, confuso.

— Esses portais… foram criados por eles?

Saren balançou a cabeça.

— Não.

Esses portais existem desde que a vida existe.

São parte da estrutura do cosmos.

A Luz não os construiu — apenas colocou selos neles.

Selene completou:

— Os Portais Ancestrais eram caminhos naturais.

Perfeitos.

Livres.

E impossíveis de destruir.

Arctéan acrescentou:

— Se você tenta destruir um portal ancestral, ele apenas se reconstrói.

Não importa o poder que use.

Saren continuou:

— Por isso, selaram.

Selar não fecha.

Selar limita.

Enfraquece.

Reduz o fluxo.

Maira murmurou:

— Então… as criaturas poderosas ficaram presas do outro lado.

— Exatamente — respondeu Selene. — E por séculos, isso manteve o mundo equilibrado.

PORTAIS MENORES — AS RACHADURAS MODERNAS

Korvus fez surgir o holograma dos portais vermelhos — pequenos, instáveis, pulsantes.

— Os bruxos, arautos, arcanistas… todos tentam recriar o fluxo antigo abrindo esses portais menores.

Mas eles não passam de fendas. Fissuras.

Não têm a força dos ancestrais.

Ele ergueu dois dedos.

— O portal só transporta o que o poder do invocador permite.

Portais fracos → criaturas fracas.

Portais médios → criaturas médias.

Portais fortes → extremamente raros… e perigosos.

Selene completou:

— E mesmo um portal forte não traz uma criatura poderosa inteira.

Ela chega reduzida, incompleta.

Atravessar exige uma força que eles não conseguem canalizar.

Aiden perguntou:

— E os portais ancestrais?

Arctéan olhou para ele, sério.

— Se um selo cair…

Então não haverá limitação.

O fluxo se abre por completo.

E criaturas que não caminhavam pela Terra há milênios poderão atravessar totalmente — com seu poder integral.

As luzes da sala pareceram escurecer.

Até Dante, impulsivo como fogo, ficou imóvel.

POR ISSO AS SOMBRAS LUTAM TANTO

Selene recostou-se na parede, ainda com a respiração irregular.

— As Sombras não querem apenas dominar a Terra.

Elas querem o retorno do fluxo livre.

Querem que o Vórtice derrame poder sobre o mundo como antigamente.

Korvus assentiu.

— E para isso… elas precisam romper os selos.

Um por um.

Até que o caminho natural volte a existir.

Ele respirou fundo.

— E hoje, nós… quase vimos um desses selos ruir.

O PESO DO COMBATE

Kael deu um passo à frente.

— Vocês… venceram?

A pergunta ficou presa no ar.

Arctéan ergueu os olhos lentamente.

Olhos marcados não por derrota, mas por compreensão amarga da guerra.

— Vencemos o suficiente.

Fechamos os portais menores.

Interrompemos o ritual.

Contivemos as criaturas.

Ele respirou fundo.

— Mas o fato de terem conseguido abrir doze ao mesmo tempo…

significa que algo — ou alguém — do outro lado está coordenando tudo.

Selene concluiu:

— E não conseguimos ajudar vocês contra Klyrion porque…

Ela tocou o ferimento no braço.

— …fomos cercados demais para sequer respirar.

O silêncio caiu como neve pesada.

Então Saren finalizou:

— A guerra começou.

E vocês já estão no centro dela.

DE VOLTA A ROTINA DE TREINOS

e depois de tudo, a rotina dos defensores retorna

Treinos que começavam antes do nascer do sol.

Golpes que ecoavam pelo tatame como trovões contidos.

Quedas duras, repetidas, doloridas.

Erros que ardiam mais no orgulho do que na pele.

Pequenos triunfos celebrados como vitórias de guerra.

Risos entre uma sessão e outra, quebrando a tensão.

Gritos de frustração quando a energia espiritual falhava ou explodia fora de controle.

Hematomas que surgiam como medalhas involuntárias.

Cicatrizes discretas marcando avanços silenciosos.

Vidas sendo lapidadas sob pressão, suor e determinação.

E, entre tudo isso, havia o peso da guerra que se aproximava…

E a chama crescente dentro de cada um deles — às vezes firme, às vezes instável, sempre necessária.

Assim, entre dias longos e noites curtas…

duas semanas passaram como um sopro — velozes, exaustivas e transformadoras.

ATO 6 — AS SOMBRAS ENCONTRAM O GUERREIRO DE LAVA

A floresta carbonizada ainda fumegava.

Troncos retorcidos pareciam esculturas enegrecidas erguidas por uma mão cruel.

Cinzas caíam como neve morta.

Foi nesse silêncio incômodo que ele se moveu.

Um passo.

Depois outro.

O guerreiro de lava cambaleava como um titã quebrado.

Seu corpo rachado brilhava em tons de vermelho e dourado, a lava escorrendo devagar como se o próprio coração estivesse se apagando.

Ele caiu de joelhos.

O chão sob si derreteu em círculos irregulares.

— A… chama… foi roubada… — sussurrou, como se as palavras queimassem sua garganta.

E então, três presenças cortaram o ar como lâminas de sombra.

Vareth, o líder silencioso, surgiu primeiro.

Alto, de postura blasfema, sua aura distorcia a luz.

Seris, a sacerdotisa, materializou-se ao lado, olhos vazios como poços noturnos.

Norath, o bruto das Sombras, fechou o triângulo, carregando uma energia tão densa que o chão embaixo dele escureceu.

Seris ajoelhou-se perto do colosso de magma.

Ela tocou o peito rachado do guerreiro — e a lava reagiu, tremendo, quase implorando por vida.

— Você foi chamado pelo Fogo Primordial, mas acordou sozinho. Fraco. Esquecido.

Sua voz era suave, mas cruel.

— Assim como nós fomos um dia.

O guerreiro de lava levantou o rosto.

Seus olhos eram fendas incandescentes, procurando sentido.

Vareth inclinou a cabeça, observando-o como um rei analisando um guerreiro caído.

— Você lembra do seu nome?

Silêncio.

A lava chiou.

— Não… — o colosso murmurou, quase envergonhado. — Eles… tiraram de mim. Eles apagaram meu fogo… selaram minha existência… me deixaram preso… sem luz… sem voz…

Norath bateu o punho no peito, orgulhoso.

— Então nós te daremos um novo.

Mas antes… vamos restaurar o poder que te roubaram.

Seris ergueu as mãos.

Runas negras surgiram no ar, girando como serpentes de sombra líquida.

Vareth sussurrou:

— A Luz te selou. A Terra te enterrou. Mas o Vórtice te chamou de volta.

E nós… somos apenas seus mensageiros.

A energia sombria começou a envolver o guerreiro de lava.

Primeiro como fumaça.

Depois como veias.

Depois como correntes de poder.

O corpo do colosso estremeceu — não de dor, mas de reativação.

Rachaduras se fecharam.

A lava correu mais rápido.

Seus olhos abriram completamente, revelando brasas vivas de raiva contida.

— Eu… lembro… — ele arfou. — Lembro da prisão… lembro das correntes… lembro do selo queimando meu nome… Eles temeram meu fogo… temeram meu nascimento…

Seris sorriu perversamente.

— E temerão de novo.

Norath ergueu o colosso com facilidade.

— Venha. Sua força voltará. Seu nome renascerá.

E você queimará aqueles que te deixaram apodrecer no escuro.

O guerreiro de lava respirou fundo — e o vapor que saiu de sua boca levantou poeira de cinza.

— Quem… traiu meu fogo?

Vareth olhou para o horizonte, onde a cidade brilhava como um convite.

— Os Defensores da Luz.

As rachaduras no corpo do guerreiro incandesceram com violência.

Ele se ergueu sozinho agora, firme, renovado.

— Então… eles sentirão o meu retorno.

Vareth pousou a mão em seu ombro quente como metal em brasa.

— E nós garantiremos isso.

Por enquanto, venha. Você ainda está fraco.

Mas a guerra está apenas começando… e o Fogo Ancestral terá seu papel.

As Sombras abriram um portal irregular, escuro e ardente.

O guerreiro de lava atravessou com eles.

Não mais fraco.

Não mais esquecido.

Renascendo.

E desejando vingança

PARTE IX — NOITE NA CASA DE LYRA

A noite caía suave sobre a casa de Lyra, iluminando o quarto dela com um tom dourado e acolhedor.

Livros abertos estavam espalhados sobre a cama, e pequenas luzes espirituais

— restos de treinos anteriores — ainda reluziam nas páginas, tremeluzindo como vaga-lumes cansados.

Lyra, Nami e Maira estavam sentadas em círculo, algumas almofadas no chão, como faziam nos velhos tempos.

Mas nada ali lembrava realmente os velhos tempos.

Nami suspirou, abraçando os joelhos.

— Os rapazes estão treinando demais…

Sua voz estava embargada.

— Kael está exausto. Ele mal fala comigo entre um treino e outro.

Maira ajeitou o cabelo atrás da orelha, um sinal raro de nervosismo.

— Aiden também. — disse ela, com preocupação genuína. — E o Dante…

Ela engoliu seco, apertando as mãos.

— …ele não quer admitir, mas está no limite.

Lyra mexeu no próprio colar, um presente de Lukas, e o coração apertou dentro do peito.

— As sombras estão avançando.

As palavras saíram mais fracas do que ela gostaria.

— Não dá tempo de descansar. Não dá tempo de respirar.

Por um instante, nenhuma das três falou.

O silêncio as envolveu como um cobertor pesado.

Depois, Maira completou — a voz quase falhando:

— Kael não dorme direito desde o ataque de Klyrion.

E Dante… tenta parecer forte, mas eu sei quando ele está com medo.

Eu sinto.

Nami assentiu devagar.

— Aiden treme quando ninguém está olhando. Ele tenta esconder… mas eu sei. Ele é meu primo.

Ela inspirou fundo.

— E ainda tem o Ryu, a Jessica, a Sophia… eles arriscaram a vida lá fora. Eles não têm poderes. E mesmo assim ficaram no meio de tudo.

Lyra apertou uma almofada contra o peito.

— Eu… eu não paro de pensar no Lukas.

As duas olharam para ela.

Lyra continuou, a voz tremendo:

— Ele está diferente.

Distante.

Preocupado.

Confuso.

E eu não posso dizer nada.

Não posso explicar.

Não posso ajudar.

Nem protegê-lo de algo que eu mesma não entendo.

Nami colocou a mão sobre a dela.

— Lyra… vocês dois sempre deram um jeito de se entender.

— Desta vez… acho que não é tão simples. — respondeu Lyra, com os olhos marejando.

Foi então que a porta do quarto abriu-se um pouco.

A mãe de Lyra apareceu — elegante, calma, o tipo de presença que preenchia a sala mesmo sem tentar.

Seus olhos deslizaram pelas três garotas… com um brilho que dizia ela sabe.

Talvez não tudo.

Talvez mais do que deveriam.

— Estão estudando? — perguntou, com um sorriso suave demais para ser apenas curiosidade.

As três sorriam automaticamente.

Quase ensaiado.

— Sim, senhora. — responderam juntas.

A mãe de Lyra assentiu devagar.

Mas no fundo de seus olhos havia algo… antigo.

Atento.

Como se avaliasse mais do que a cena à sua frente.

— Qualquer coisa de que precisarem… me chamem.

Boa noite, meninas.

Quando ela saiu, a porta fechou suavemente.

Mas o ar na sala pareceu mudar — mais pesado, mais denso.

Maira foi a primeira a quebrar o silêncio:

— Vocês… sentiram isso?

Lyra encarou a porta fechada, o coração acelerando.

— Sinto isso toda vez que ela olha para mim.

E não é só ela.

— A minha mãe… meu pai... a mãe da Maira… Os pais de Nami

Ela suspirou.

— Elas sabem mais do que dizem.

Nami olhou ao redor, como se paredes pudessem ouvir.

— Às vezes eu acho que elas estão… esperando algo de nós.

Maira abraçou os próprios braços, pensativa.

— Eu sempre achei que a minha mãe escondia segredos… mas agora eu sei que ela esconde verdades.

Lyra passou a mão pelos olhos, cansada.

— Segredos.

Mistérios.

Verdades guardadas demais…

Ela suspirou fundo, olhando para as amigas com vulnerabilidade real.

— …e nenhuma delas pronta para vir à tona.

As três ficaram ali, por minutos que pareceram horas, sentindo o peso do que estava por vir.

Porque agora todas sabiam, no fundo do peito:

Elas estavam envolvidas numa guerra que suas mães já conheciam há muito mais tempo.

E isso mudava tudo.