ATO 1 — O PASSO ENTRE A VIDA E A MORTE

O ar segurou o som.

Nenhum carro queimava.

Nenhuma sirene se aproximava.

Nenhuma voz humana ousava existir.

Havia apenas Maira caída.

E o inimigo caminhando em sua direção.

Klyrion avançava sem pressa — não por arrogância, mas por função.

Os pés rachavam o solo em intervalos constantes, como golpes de martelo.

As fissuras negras que atravessavam seu corpo brilhavam num ritmo teimoso, como um coração de treva enviando pulsos de comando.

Kael tentou se levantar.

A perna não respondeu.

Ele caiu de novo, mordendo a dor e o desespero ao mesmo tempo.

Nami tentou puxar o vapor em volta.

Conseguiu apenas um fiapo de umidade.

O ar parecia ter sido drenado, domado, esmagado por algo maior.

Lyra levantou as mãos, tentando manifestar luz.

Nada.

Nem um brilho.

Era como se a própria vida fugisse de perto de Klyrion.

Aiden ergueu gelo, mas a estrutura derreteu antes de ganhar forma.

O impacto da queda sobre seu ombro ainda o travava.

Eles estavam ali.

Vivos.

Conscientes.

Funcionais.

Mas incapazes.

Não porque eram fracos.

Mas porque, por um instante, o medo pesou mais do que as pernas.

Dante foi o único que não se moveu.

Ele ficou parado, olhando para Maira — o corpo dela dobrado de um jeito que não deveria ser possível, o sangue escorrendo devagar pelo chão rachado.

E a mente dele não buscou estratégia.

Nem plano.

Nem saída.

Buscou um único pensamento, denso e inteiro:

“Se ele encostar nela de novo… acabou.”

Não foi raiva.

Não foi ódio.

Foi certeza.

E essa certeza encontrou espaço para nascer.

O chão reagiu.

ATO 2 — A CHAMA QUE RESPIRA

Brasas surgiram entre as rachaduras do asfalto — primeiro tímidas, como pontos de calor que não pertenciam àquele mundo.

Depois vieram mais.

E mais.

O ar ao redor de Dante começou a tremer como se respirasse diferente do resto da cidade.

Linhas douradas correram sob a pele dele — primeiro no pescoço, depois nos braços, depois no peito.

Um traço vivo, pulsante, que parecia acompanhar o batimento acelerado de um coração que não queria mais ser contido.

O calor subiu.

Não queimava — pressionava.

Kael conseguiu virar o rosto, mesmo travado.

Viu Dante cercado por brasas que se erguiam como poeira luminosa.

Nami sentiu o ar ganhar temperatura e recuar, dando espaço à energia nova que se manifestava.

Lyra ouviu, pela primeira vez naquela luta, um sussurro fraco da vida ao redor — como se a natureza estivesse reconhecendo o despertar antes mesmo de compreendê-lo.

Aiden estreitou os olhos, analisando sem conseguir acompanhar.

Klyrion finalmente parou.

Ele não reconheceu Dante como ameaça emocional.

Reconheceu como variável nova.

Atravessou o pescoço suavemente para o lado, calculando.

E Dante deu um passo.

O chão derreteu sob o tênis, formando um círculo escuro ao seu redor.

Mais um passo.

As brasas cresceram, acompanhando o movimento.

Ele parou entre Maira e o inimigo.

Respiração forte.

Pulsação alta.

Olhar direto.

E falou:

— Não dá outro passo.

Não era ordem pela força.

Era limite absoluto.

O fogo, ao redor, respondeu.

Ele não precisou dizer mais nada.

Klyrion ajustou a postura.

E a luta recomeçou.

ATO 3 — TÁTICA DE SOMBRA

Klyrion se moveu primeiro.

Dessa vez, não avançou em linha reta.

Ele executou um deslocamento lateral rápido — tão rápido que deixou um rastro distorcido no ar.

Era um movimento de predador treinado, não criatura.

Uma técnica.

Um padrão calculado para explorar brechas.

Dante acompanhou com o olhar.

As brasas reagiram antes do corpo, como se tivessem olhos próprios.

Klyrion ergueu a mão esquerda.

Lâminas de vidro negro se formaram no ar — oito, dez, doze — todas apontando para Dante, mas lançadas em trajetórias diferentes: algumas diretas, outras com curvatura, algumas mirando o chão para ricochetear.

Variação tática.

Assinatura clara de que Klyrion ajustava estratégias em tempo real.

As lâminas dispararam.

Dante não recuou.

Deu um passo firme.

E as chamas reagiram.

Não formaram escudo.

Não formaram muralha.

Agiram como mãos vivas.

Empurraram lâminas, derreteram algumas, desviaram outras.

As que contornaram pelo chão foram neutralizadas por calor repentino que abriu rachaduras para absorver o impacto.

Nenhuma atingiu.

Kael ficou boquiaberto.

Aiden percebeu que o calor se movia antes do corpo, antes da intenção — era instintivo.

Lyra sentiu raízes sob o solo vibrarem com a presença dele.

Nami engoliu ar, vendo o impossível acontecer diante dos olhos.

Klyrion recuou meio passo.

Primeira hesitação.

Dante ergueu os braços.

Não com grandiosidade.

Com foco.

O calor convergiu.

ATO 4 — ERUPÇÃO

A energia veio rápido.

Sem anúncio.

Sem cerimônia.

As chamas reuniram-se nas mãos dele, ganhando corpo, massa, densidade.

O ar vibrou, deslocando poeira e fazendo janelas quebradas tremerem.

Dante abriu os dedos.

O mundo reagiu.

— Chama do Espírito. Erupção Solar.

O clarão atravessou a rua como luz em estado bruto.

Quadras foram iluminadas num estalo.

O Véu agiu no mesmo instante, criando um blecaute súbito para impedir que metade da cidade testemunhasse o impossível.

Klyrion foi arrancado do chão.

O corpo dele atravessou o espaço como projétil, atingindo uma fachada com força o bastante para deixar uma teia de rachaduras no concreto antes de despencar.

A rua balançou com o impacto.

A temperatura subiu por dois segundos.

O ar ganhou cheiro de poeira quente e metal tostado.

O silêncio voltou lento.

Dante permaneceu de pé por pouco tempo — o suficiente para ver as chamas recuarem, obedientes, até desaparecerem sob a pele como se fossem puxadas de volta ao cerne.

Ele respirou fundo e segurou o próprio equilíbrio.

A única coisa que importava voltou ao foco:

Maira.

ATO 5 — O NOME INVOCADO

Dante se ajoelhou ao lado dela.

— Ei. — a voz dele falhou um pouco. — Eu tô aqui.

Maira abriu os olhos.

A primeira coisa que ela fez foi procurar Dante — não com clareza, mas com instinto.

As pupilas tremiam, tentando focar, até finalmente reconhecerem seus contornos.

O canto da boca dela se ergueu, leve, cansado.

— Você… acendeu tudo… — murmurou.

E desabou novamente, mas consciente.

Kael conseguiu chegar perto, apoiado no carro destruído.

Lyra e Nami imediatamente cercaram Maira, avaliando respiração, ferimentos, temperatura.

Aiden se aproximou, gelo na mão boa.

— A pressão dela tá caindo — disse Nami, sem se desesperar, mas sem esconder a urgência.

Dante segurou a mão dela.

A chama interna ainda vibrava, mas agora era calor humano, não poder bruto.

Foi quando o som mudou.

Um arrastar fraco.

Quase inexistente.

Dante ergueu o rosto.

Klyrion estava tentando levantar.

ATO 6 — A ÚLTIMA LEITURA

Ele se apoiou num joelho.

Depois no outro.

O corpo translúcido piscava, falhando, como lâmpada prestes a queimar.

Algumas partes se desfaziam e se recompunham sem precisão.

Não era regeneração.

Era colapso.

Mas os olhos ainda funcionavam.

E miravam Dante.

Não havia raiva ali.

Nem frustração.

Só satisfação — a mesma de quem conclui uma tarefa.

— Impress… ionante… — a voz dele oscilou. — …mas não… suficiente.

Dante se levantou.

— Chega.

Ele não aumentou a voz.

Não ameaçou.

Só afirmou.

Klyrion analisou aquela postura por um segundo final — como se estivesse comparando dados internos, confirmando resultados.

E então desligou.

Literalmente.

O brilho interno se apagou.

As rachaduras negras perderam luz.

A estrutura endureceu.

E o corpo tombou para o lado, inerte.

Uma arma desativada.

Kael exalou.

Não era alívio.

Era entendimento.

Eles sabiam que aquilo não era vitória.

Era transição.

ATO 7 — ECO NO VENTO

Os sons voltaram devagar:

gemidos de feridos,

sirene distante,

estruturas rangendo.

Civis choravam, abraçando desconhecidos.

Alguns rezavam.

Outros olhavam para o céu tentando entender o que havia acontecido.

O Véu se espalhava pelo local, distorcendo memórias, reconstruindo a narrativa mundana.

Explosão de rede elétrica.

Colapso de estrutura antiga.

Rachadura súbita do solo.

Razoável.

Plausível.

Aceitável para quem não pode ver além.

Dante só relaxou quando Maira respirou com um pouco mais de firmeza.

Kael tocou o ombro de Dante, força contida e entendimento profundo.

Lucas, Ryu, Sophia e Jessica se reuniram, todos exaustos, sujos, machucados, mas vivos.

Foi quando algo estalou no ar.

Partículas negras se desprenderam do corpo de Klyrion — não subindo ao acaso, mas sendo puxadas por um ponto distante, invisível.

Lyra sentiu primeiro.

Tocou o solo.

— Ele não foi destruído.

Foi recolhido.

Dante cerrou os punhos.

— Estavam esperando isso.

Kael assentiu.

— O alvo não era matar a gente.

Dante olhou para as próprias mãos, ainda quentes.

— Era me acordar.

O vento mudou.

Trouxe cheiro de poeira, fumaça… e algo observando.

Algo paciente.

Algo que não tinha terminado seu papel.

E que agora sabia exatamente onde encontrá-los.