Em uma pequena vila, os moradores celebravam o fim da praga de ratos. O ar estava cheio de alegria e o aroma do pão recém-assado se misturava ao cheiro da cevada fermentando.
No centro da praça, Johann Adler se destacava. Seus cabelos grisalhos refletiam a luz das tochas, e o manto com bordas douradas que vestia reluzia sob o brilho das chamas. Apoiado em sua bengala enfeitada com ouro, ele ergueu-se com postura imponente.
— Meus caros moradores — disse, com um sorriso calculado — vamos celebrar o fim desta grande praga. Todos devemos comemorar… é claro, apenas aqueles que merecem.
Ergueu seu copo de cevada ao alto. O líquido dourado balançou suavemente, refletindo a luz da tocha.
— Vamos celebrar! — completou.
As pessoas começaram a dançar e brindar, a cevada espumando em seus copos e o aroma forte e doce preenchendo o ambiente. Johann se sentou em sua cadeira, observando a cena com olhos atentos.
Um criado, vestido com roupas finas, aproximou-se, trazendo uma bandeja.
— Os convidados especiais chegaram, senhor — anunciou.
Johann sorriu ainda mais, seus olhos brilhando de satisfação.
— Sim! Pegue minhas riquezas e arrume tudo. Quero observar os olhares de ganância e inveja deles. Nada me dá tanto prazer.
— Claro, senhor! — respondeu o criado, inclinando-se rapidamente.
O criado abriu as grandes portas de madeira com detalhes em ouro. Um cheiro metálico invadiu suas narinas.
Quanto ouro… se ao menos pudesse ter um pouco disso… estaria rico… se ao menos pudesse ocupar o lugar de Johann… pensou.
Ele começou a organizar os sacos de moedas e, entre eles, encontrou uma flauta dourada. Ela brilhava como se refletisse a luz da água corrente.
Por que o senhor Adler teria uma flauta? Que gosto estranho… murmurou para si mesmo.
Guardou a flauta no lugar, arrumou os pergaminhos com cuidado e se preparou para sair da sala. Mas então um som gelado percorreu o ar, uma melodia fria como o som das ondas do mar em uma noite de inverno. O criado estremeceu.
— De onde vem esse som? — sussurrou, o coração acelerado — Devo estar imaginando coisas…
O criado saiu da sala apressado.
Sua espinha gelou ao recordar o som da flauta — uma melodia fria, insistente, que ainda parecia vibrar dentro de seus ouvidos.
Ele caminhou rapidamente até a praça interna, onde Johann estava sentado, cercado por convidados especiais.
À frente deles, encontrava-se uma jovem de cabelos castanhos e olhos verdes intensos. Usava um chapéu elegante e roupas extravagantes, claramente feitas para chamar atenção. Ela sorria com educação calculada.
— Prazer — disse ela, inclinando levemente a cabeça. — Meu nome é Isabella von Harten. Ouvi dizer que a praga daqueles malditos ratos finalmente acabou nesta cidade. Na minha, até hoje eles continuam se espalhando.
Ela mordeu o lábio inferior. Por um instante, seu sorriso vacilou. Seus olhos mudaram — tornaram-se frios, atentos demais.
— Como foi capaz de fazer isso? — perguntou, em tom baixo.
Johann sorriu. Apenas o sorriso. Seu olhar, no entanto, escondia algo denso, indecifrável.
— Com liderança — respondeu ele. — União… e poder. Foi assim que expulsamos aquelas criaturas imundas.
Isabella sustentou o olhar por alguns segundos, então sorriu novamente.
— Entendo… — disse ela. — Depois quero ouvir mais detalhes.
Ao lado da jovem estava um homem de meia-idade. Seus dedos estavam cobertos de anéis e joias pesadas, e uma boina escura repousava sobre sua cabeça. Era um pastor conhecido.
— Ah, meu velho amigo Johann — disse Matthias Grünewald, abrindo os braços. — Vim testemunhar sua grande vitória contra aquela praga. Tudo graças a Deus!
Johann franziu o cenho por um breve instante. Um sinal quase imperceptível de irritação.
— É claro — respondeu, forçando cordialidade. — Vamos brindar juntos essa grande vitória, velho amigo.
Matthias abriu um sorriso largo, genuíno.
— Vamos beber até não aguentar mais! O vinho daqui é excelente — disse ele, rindo. — Fino como poucos!
Johann virou-se bruscamente.
— Criado! Traga um copo para ele, agora.
— Claro, senhor — respondeu o criado, apressando-se.
Enquanto as vozes se misturavam e o vinho era servido, um novo homem aproximou-se. Caminhava apoiado em uma bengala ornamentada, herança clara de uma antiga linhagem de prefeitos. Seu sorriso era contido, quase tímido.
Johann ergueu a sobrancelha.
— Ora… não seria seu pai, Sebastian I, quem deveria estar aqui? — perguntou. — Não me diga que ele morreu.
O jovem respirou fundo antes de responder. Havia tristeza em seus olhos.
— Sim… — disse Sebastian II Falkenreich. — Ele faleceu há pouco tempo. Uma febre repentina. A cidade agora está sob minha responsabilidade. Espero que possamos ser bons aliados.
Johann inclinou a cabeça e sorriu. Um sorriso falso, bem treinado.
— É claro que podemos nos ajudar — respondeu.
Johann pensou:
Hahaha… agora que o velho morreu, não será difícil enganar esse jovem inútil.
Johann sorriu, abrindo os braços como um anfitrião generoso.
— Vamos para dentro da minha casa. — virou-se para o criado. — Leve-os até o salão.
O criado inclinou a cabeça.
— Claro. Acompanhem-me, senhores… senhora.
Isabella sorriu com delicadeza.
— Com prazer.
Matthias soltou uma gargalhada alta.
— Hahahaha! Ao entrar, espero que tenha separado vinhos ainda mais finos para convidados especiais como nós.
Johann franziu levemente o semblante, incomodado, mas logo recompôs o sorriso.
— É claro. O criado irá providenciar o melhor que esta casa tem a oferecer.
— Tenho certeza de que não vou me decepcionar — disse Matthias, satisfeito.
O criado os guiou para dentro da mansão.
O interior era um retrato explícito do excesso: tapetes feitos de peles de animais cobriam o chão, moedas de ouro repousavam em bandejas abertas, pergaminhos valiosos estavam espalhados sem cuidado, e ao fundo erguia-se uma grande estátua com cabeça de leão, observando tudo em silêncio.
Johann sentou-se em sua cadeira vermelha, adornada com penas de aves exóticas.
— Traga-lhes os vinhos mais caros da casa — ordenou.
— Imediatamente, senhor — respondeu o criado, afastando-se.
Isabella sentou-se com elegância no sofá, cruzando as pernas e ajustando o chapéu com cuidado. Seus olhos percorreram o ambiente antes de ela falar, em tom suave demais para ser inocente:
— Não pude deixar de notar… tantas riquezas. É incomum que um prefeito possua tanto. Só seria possível se estivesse acumulando dinheiro de outra forma… talvez retirando dos próprios civis. Afinal, cargos como o seu raramente geram tamanha fortuna. A menos que a cidade esteja sendo negligenciada.
Johann, que bebia o vinho, engasgou-se de repente. Tossiu com força, o líquido escorrendo pelo canto da boca.
Isabella observou a cena com olhos brilhantes, satisfeita.
No fim das contas, pensou ela, essa visita serviu para algo. Se a máscara cair, será fácil para qualquer reino comprar esta cidade.
— É que… — Johann tentou falar, mas outra tosse o interrompeu.
Matthias levantou-se de um salto.
— Misericórdia de Deus! Ele está se engasgando! Chamem ajuda!
Ele bateu nas costas de Johann com força.
Enquanto isso, Sebastian observava os tesouros espalhados, os olhos cheios de inveja.
Essas riquezas não pertencem a esse imundo, pensou. Em breve, este reino será meu. Será a vingança pelo meu pai.
A tosse finalmente cessou. Johann respirou fundo, visivelmente nervoso.
— Não… eu jamais roubaria os civis. — disse, recuperando o tom. — Como prefeito, eu os ajudo. Foi por isso que proporcionei essa grande festa.
Isabella sorriu de forma falsa, inclinando levemente a cabeça.
— Claro, não quis suspeitar de você. Apenas achei… muitas riquezas.
— Eu entendo — respondeu Johann.
Matthias fitava as moedas com um brilho desconfortável nos olhos.
— Tamanha prosperidade, velho amigo. — disse, forçando um sorriso. — Que Deus abençoe sua vida.
Johann sorriu satisfeito, absorvendo cada olhar de ganância e inveja como se fosse alimento.
O criado retornou com os vinhos, servindo cada um cuidadosamente. Depois, encostou-se à parede, colocou a bandeja sobre a mesa e disse:
— Senhor, se me permite, peço licença.
— Vá — respondeu Johann.
O criado saiu.
Johann ergueu o copo.
— Vamos comemorar, amigos. Celebrar o fim dessa grande praga… e a união entre nossas cidades.
Isabella ergueu o seu, sorrindo.
— Claro, grande Johann. Que nossas cidades se ajudem mutuamente… como deve ser.
Matthias levantou o copo com entusiasmo, derramando vinho no chão.
— Vamos celebrar esta graça de Deus!
Sebastian ergueu o copo com calma.
— Que este reino prospere.
Os copos se chocaram.
O som foi agudo, metálico — como ouro se partindo.
Como laços quebrados.
Como promessas falsas seladas em vinho.
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Depois que todos beberam, Sebastian e Matthias se despediram, deixando apenas Isabella e Johann na sala.
Isabella, com olhos atentos, disse:
— Agora que todos se foram, pode me dar detalhes de como conseguiu fazer os ratos irem embora?
Johann olhou nervoso, hesitando antes de responder:
— Eu… juntei todos os guardas e fizemos uma limpa. Matamos todos esses malditos animais.
Isabella sorriu, fria:
— Mesmo assim, eram muitos ratos. Como conseguiu matar todos?
— Chega de conversa, senhora Isabella. Agora irei ver os civis… — Johann respondeu, virando-se de costas. — Meu criado a levará para fora.
— Claro. Espero que tenhamos mais oportunidades para conversar, senhor Adler! — disse Isabella, acompanhando-o com o olhar.
Johann respondeu, sem se virar:
— Claro!
Ele saiu da sala, fechando as grandes portas de ouro atrás de si.
Isabella olhou para o chão, o olhar frio e levemente frustrado. Mordeu os lábios, refletindo:
Estou um pouco frustrada por não ter descoberto algo realmente útil…
Mordeu os lábios com mais força ainda, pensando:
Talvez… se eu tiver mais provas, consiga tirá-lo do cargo de prefeito.
O criado passou ao lado dela e disse:
— Senhora! Sua carruagem já está pronta. Me acompanhe; vamos sair pelos fundos.
Isabella se levantou delicadamente, segurando seu chapéu. Seus olhos se abriram, atentos.
Talvez ele saiba de algo! — pensou.
O criado levantou o braço, apontando para o corredor que levava à saída.
Isabella caminhou lentamente, os sapatos batendo suavemente no chão frio e branco do corredor.
— Qual seu nome? — perguntou ela, rompendo o silêncio.
— Meu nome, senhora? — respondeu o criado, hesitando. — É Friedrich Lenz. Por que a pergunta?
— Nada demais. — Isabella sorriu gentilmente. — Apenas é importante conhecer o nome das pessoas, sabe.
Friedrich permaneceu em silêncio, olhando para o chão.
Quando chegaram ao final do corredor, Isabella parou e disse:
— Espera! Queria te perguntar algo, senhor Lenz.
Friedrich parou, encarando-a.
— Pergunte.
Ela sorriu, fria.
— Você deve saber como o senhor Adler conseguiu se livrar daqueles malditos ratos da cidade.
O olhar de Friedrich se encheu de desespero, o coração batendo rápido.
Isabella von Harten não está aqui para uma visita… mas sim por interesse político. Se eu contar algo, posso colocar o cargo do senhor Johann em perigo. Então mentirei. Sorte que ouvi parte da conversa dela com Johann…
Ele forçou um sorriso e disse:
— Ele reuniu os guardas e fez uma limpa, como o senhor Johann disse a você.
Isabella baixou a cabeça, os olhos brilhando de prazer. Uma gargalhada alta e fria ecoou pela parede do corredor:
— Hahahahahahahahahahahahahaha!
Friedrich apertou os braços, nervoso.
— Do que ri, senhora Isabella?
Ela se aproximou, o olhar gelado.
— Você nem sabe mentir. Seu rosto parece o de um animal diante do predador, desesperado da vida. — Isabella se aproximou mais, colocando a mão sobre o coração de Friedrich. — Seu coração bate rápido… que sensação boa.
Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. Friedrich se assustou.
— E além disso, você soltou algo que nenhuma pessoa que quer guardar segredo poderia! — continuou Isabella, fria. — Você disse que escutou minha conversa com Johann quando falou “como o senhor Johann disse a você”. E, além disso, seus erros são tão medíocres: olhar nervoso, coração acelerado. Melhor ainda… seu rosto demonstra o nervosismo hahahaha!
Friedrich apertou o braço dela, tentando se manter firme. Ela não é uma pessoa normal, pensou.
Ele fingiu um olhar neutro e disse:
— Até agora você apontou meus erros, mas não disse o que realmente quer. E também mostra que veio por interesses políticos.
Isabella se recompôs, surpresa.
— Exatamente! Você é inteligente por perceber que vim por interesse político. Chegou a essa conclusão porque minha cidade ainda sofre com essas pragas de ratos e… nada melhor do que comprar uma cidade livre dessa praga. Foi isso que pensou, não foi?
— Sim. — respondeu Lenz. — Cheguei a essa conclusão. Mas o que exatamente quer?
Isabella sorriu e colocou a mão atrás das costas.
— Quero que me conte a verdade: como ele conseguiu se livrar dos ratos! Eu sei que há inveja dele e ódio… eu vi em seus olhos quando você seguia as ordens dele.
Friedrich olhou pensativo.
— Pensando bem… irei falar. — disse. — Mas é melhor conversarmos em um lugar mais reservado.
Isabella sorriu satisfeita:
— Claro.
— Me acompanhe — disse Lenz, guiando-a.
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Enquanto isso, Johann estava no centro da praça, cercado pelos civis. Tochas iluminavam os rostos sujos de vinho e euforia.
Um dos moradores se aproximou e disse, com entusiasmo:
— Tudo isso é graças ao senhor, Johann!
Johann abriu um sorriso largo.
— Claro. Iremos comemorar até o fim desta noite!
Ele ergueu o copo de vinho, prestes a brindar novamente, quando algo rompeu a ordem da festa.
Um menino de cabelos curtos e castanhos corria entre as pessoas, desviando de corpos embriagados e mesas improvisadas.
Os olhares se voltaram para ele com desprezo.
— Que nojo… aquele inferior. O que ele faz aqui? — murmurou alguém.
— Deve ter vindo roubar. Que horror! — disse outro, em tom de repulsa.
O menino ouvia tudo, mas não reagia. Continuava correndo, ignorando as vozes como se já estivesse acostumado àquele ódio.
Guardas começaram a persegui-lo.
— Peguem esse menino! — gritou um deles.
Na tentativa de escapar, o garoto esbarrou em Johann. O impacto fez o copo escorregar de sua mão.
O vinho caiu lentamente, manchando o manto luxuoso. O copo atingiu o chão, e o som metálico ecoou pela praça, cortando a música e as conversas.
O olhar de Johann se encheu de ódio e nojo.
— Você… seu inferior! — rosnou.
As pessoas ao redor cochicharam, observando com uma curiosidade cruel.
— Coitado do moleque… depois dessa, esse inferior vai receber uma lição.
— É aquele garoto mudo? — comentou outra voz.
Johann avançou e segurou o menino pelo pescoço, apertando com força.
O silêncio tomou a praça. Todos observavam, tensos, temendo — ou desejando — descobrir o que Johann faria com o pobre garoto.
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— FIM DO CAPÍTULO —
Nota do Autor
Espero, de coração, que você tenha gostado desta história.
Este livro foi inspirado livremente na lenda do Flautista de Hamelin, reinterpretada sob uma perspectiva mais sombria, focada em poder, silêncio e nas consequências das escolhas humanas. Mais do que recontar uma lenda, busquei explorar o que existe por trás dela: as mentiras aceitas, os acordos quebrados e aquilo que a sociedade prefere ignorar.
A escrita deste livro marcou um passo importante no meu desenvolvimento como autor. Cada capítulo foi pensado para causar estranheza, desconforto e curiosidade — sentimentos que, para mim, combinam perfeitamente com o terror psicológico presente nesta história.
Se quiser acompanhar meu processo criativo, ideias futuras e a evolução desta obra, você pode me encontrar no TikTok:
@SunSun
Toda forma de apoio, comentário ou compartilhamento ajuda este livro a crescer e a alcançar novos leitores.
Obrigado por ter lido até aqui. De verdade.
📖🖤
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Curiosidades
Normalmente, eu responderia perguntas dos fãs… mas como esta obra ainda está no começo, resolvi compartilhar algumas curiosidades interessantes sobre ela:
1.
A história possui um resumo geral, focado apenas nos acontecimentos mais importantes. No livro, decidi aprofundar muito mais os detalhes, desenvolver melhor as cenas e adicionar diversos personagens que não aparecem no resumo.
2.
Isabella von Harten é a minha personagem favorita. Por isso, ela acaba tendo um destaque maior na história :3
3. “Cadê o terror?”
O terror desta obra é construído de forma lenta e gradual. Ao longo deste primeiro volume, a intenção é causar estranheza, desconforto e tensão aos poucos, em vez de sustos rápidos. Espero ter conseguido transmitir essa sensação :3
E é isso! Bye bye :3
Se você leu até aqui, ficarei muito feliz se puder deixar sua análise, um comentário ou simplesmente me apoiar.
E, se quiser, me diga: qual personagem mais chamou sua atenção?
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Em breve, adicionarei imagens aos capítulos! Espero que gostem do resultado.