Aquele maldito gato preto tinha entrado pela janela do meu quarto enquanto eu estava tomando banho. Eu nem percebi que ele tinha entrado ou que estava em meu quarto. Eu saí tranquilamente do chuveiro depois de me secar e caminhei enrolado na minha toalha pelo quarto.
O vento frio da noite passou pela janela e fez com que eu me arrepiasse um pouco. Pela janela, eu vi que o céu estava nublado. Aquela noite iria chover bastante. Eu dei um sorriso, pois eu amava quando o tempo estava assim; era meu tipo de clima preferido para assistir a filmes.
Sem pensar muito, eu caminhei até a televisão que estava pendurada na parede com fita e alguns parafusos (A maior gambiarra possível). Não era das melhores televisões, mas era boa o suficiente e funcionava com internet. Isso a tornava perfeita.
Eu me joguei na cama sem ter percebido que o gato intruso estava escondido ali. Eu caí com minhas costas em cima dele.
Ele deu um rosnado e um grito fino ao ser esmagado por mim e eu leveu um susto da porra, principalmente quando eu senti as presas afiadas dele se afundar na minha nuca.
Cara, foi a pior dor possível que eu já senti na minha vida.
Eu me virei, tentando entender o que tinha causado aquela dor, e percebi os olhos brilhantes do gato preto peludo. Ele ainda estava mostrando suas presas. Uma gota do meu sangue escorreu do gato, caindo dentro de sua boca.
Ele estava fazendo aquele som de "Hissss" enquanto me encarava; no entanto, assim como eu estava me sentindo cada vez mais fraco, conforme meu sangue escorria pelas minhas costas, ele também parecia estar mal. Minha mente imediatamente pensou em uma única possibilidade.
Aquele gato pulguento deveria ter raiva e agora eu estava destinado a morrer, recém tendo feito 17 anos e nunca tendo namorado antes na vida.
"Mas que merda!" Eu queria gritar, mas meu corpo estava fraco demais, mesmo tendo se passado apenas alguns segundos. Minha visão começou a ficar embaçada.
Eu vou falar a verdade: eu realmente não queria morrer, e o medo da morte misturado com o delírio da febre que estava tomando conta de mim começou a me fazer delirar totalmente.
Visões estranhas começaram a vir até minha mente. Coisas tão bizarras que parecia que eu estava vendo um daqueles animes antigos. Eu nem sei como explicar; eu podia ver robôs gigantes, lutando no espaço, usando espadas de energia para cortar naves ao meio com explosões acontecendo o tempo todo.
Outras vezes parecia que eu estava debaixo do oceano sendo puxado por uma corrente submarina forte que me puxava até um buraco me fazendo cair num tipo de caverna gigantesca com uma floresta que se expandia infinitamente.
Quando eu atingi o chão, a queda não teve impacto.
Abri os olhos com dificuldade, esperando ver o teto do meu quarto, a TV torta na parede, talvez o gato morto em algum canto. Mas nada disso estava lá.
Eu estava deitado em um chão de pedra negra coberto por símbolos gravados que brilhavam num azul fraco, pulsando em uma energia calma.
O céu acima de mim não era um céu, era o universo inteiro. Estrelas que se estendiam infinitamente, algumas brilhando, outras mais fracas. Algumas pareciam estar sendo destruídas enquanto outras revém nasciam.
— …ótimo...... Isso é a morte? — murmurei com a garganta seca.
— Não… — Ouvi uma voz fina que parecia com a de uma garota; no entanto, definitivamente não era de uma garota.
Eu percebi de quem era a voz quando o gato preto se aproximou de mim flutuando; suas patas brilhavam em uma energia azul, assim como a dos símbolos.
Dei uma risada fraca.
Aquilo era loucura, não era?
— Você deveria estar morto, mas eu estou te curando. — O gato falou parando em cima de mim, colocando a pata logo na minha cabeça. — Meu nome é Orion. Você realmente é sortudo… Um humano normal teria morrido por conta da minha mordida.
Eu era sortudo?
Não... Ele estava dizendo que eu não era um humano normal?
Meu corpo ainda estava fraco demais e eu confuso, e as tentativas do gato de me explicar mais sobre o que estava acontecendo só deixavam tudo pior.
Resumo da opera, eu fiquei fudido por uns dois dias me recuperando da mordida do gato, mas pelo menos quando eu acordei as coisas estavam mais claras na medida do possivel.
Sim, o gato realmente se chama Orion e, sim, ele era um gato falante.
Sim, eu não era mais um humano especial, talvez eu nunca tivesse sido, mas o fato do gato ter me mordido tinha desperto o meu "potencial", e agora nós estávamos presos um ao outro, nossas almas tinham sido vinculados pois ele havia consumido meu sangue e então entregou parte o seu próprio sangue para me manter vivo ao perceber que eu tinha mais potencial do que um humano comum.
Ele não explicou como ele descobriu que eu era um humano comum ou o que me tornava especial, mas, de qualquer forma, não importava; eu só estava feliz em estar vivo depois daquela dor infernal e de visões bizarras.
— Isso é tudo o que eu preciso saber, Orion? — Perguntei agora estando na sacada do prédio onde eu morava com minha mãe. Ela estava fora em uma viagem de trabalho e só voltaria em três dias. Eu iria ter aquela semana de férias inteira para mim e eu estava feliz com isso, mas eu perdi dois dias inteiros tendo alucinações por causa da mordida daquele gato de merda.
— Não. — O gato falou, andando de um lado pro outro na beirada da sacada, indo em zigzague pelas grades de segurança que impediam qualquer um de cair da sacada.
O gato não tinha medo algum de cair, mesmo estando no último andar.
— Aquelas visões que você teve são todas reais.
Olhei para o céu, naquela noite o ceu estava mais limpo e eu podia ver as estrelas, era bizarro já que em uma cidade grande normalmente não era possivel ver as estrelas, mas naquela noite haviam tantas, e entre elas eu podia ver luzes se movendo de um lado para o outro, se movendo como se fossem os carros nas ruas logo a baixo.
Na verdade, não. Essas luzes se moviam rápido enquanto os carros estavam presos no congestionamento normal.
— Aquelas luzes no céu...
— Sim, são naves espaciais. — Orion respondeu.
— E aquela batalha entre robôs gigantes.
— Sim. São super mechas de uma raça de marcianos que estão lutando contra os aliens que vivem na Lua. — O Orion respondeu de forma casual.
Acenei com a cabeça. Era loucura, obviamente, mas eu podia ver aquilo claramente, mesmo que estivesse acontecendo a uma distância absurda da onde eu estava.
— Você falou que também é um alienígena, então você é da Lua ou de Marte? — Perguntei olhando para o Orion.
— Nenhum dos dois, Lucas.
Nunca pensei que um gato diria meu nome. A forma como ele disse isso era um tanto fofa, então eu não pensei muito sobre. Eu só estava aceitando qualquer coisa, pois o que eu poderia fazer? recusar? Claro que eu não iria recusar que eu era especial.
E, obviamente, por que eu iria dizer que eu desejaria voltar ao mundo normal, onde aliens não são reais?
— Eu sou de uma raça antiga que viaja entre os planetas e..... — Ele parou por um momento de forma extremamente suspeita. — De qualquer forma, eu sou de um planeta distante e eu só estava de passagem aqui pelo mundo quando alguém me atacou.
— Alguém?
— Sim, uma garota maluca… — ele suspirou e se arrepiou como se estivesse tendo uns flashbacks tramatizantes. E eu me lembrava de ele estar um tanto ferido também.
— Tá, então, qual o plano agora?
— Ah... — Ele olhou para o céu. A batalha que estava acontecendo na órbita da Terra continuava com força total, mas sem afetar em nada nosso redor. — Eu teria que encontrar minha nave, mas em um momento desses eles já devem ter pego ela para estudar.... E essa garota deve estar por aí me procurando.
— E como ela não te encontrou ainda.
— Porque eu não tô usando minhas habilidades além do necessário. — O gato falou e então olhou para mim. Ele tentou esconder seu sorriso e falhou feio, parecendo um diabinho enquanto me encarava.
— Okay, eu tenho um plano! — Ele falou, seu sorriso aumentando ainda mais.
O vento bateu contra meu rosto enquanto meus pés deixavam o concreto. Eu tinha feito uma loucura que eu já tinha imaginado algumas vezes, mas nunca pensei que fosse possível.
Por um segundo, parecia que eu estava voando; eu olhei para baixo e não tinha chão de baixo dos meus pés, só o ar, luzes distorcidas da cidade e aquela sensação absurda de que eu não devia estar fazendo aquilo… mas eu estava, e meu corpo foi tomado de adrenalina.
Aterriso no telhado seguinte com um impacto seco. Meus joelhos se dobraram e meu corpo rolou pelo chão de concreto, absorvendo o choque. Puro instinto, como se soubesse exatamente o que fazer e já tivesse feito isso várias vezes antes.
Uma queda dessas teria quebrado algo. A energia azul, como uma chama, pulsou em volta de mim, me protegendo.
Continuei correndo até chegar ao fim do telhado daquele prédio e dei um impulso de novo, dessa vez, conseguindo pular de um prédio mais baixo para um mais alto precisando apenas me agarrar a beirada dele e me puxando para cima com os braços facilmente.
Meu casaco preto se agitou atrás de mim quando comecei a correr, mesmo com a velocidade e o vento assoprando contra mim, o capuz se manteve em minha cabeça, escondendo meu rosto do mundo.
Logo atrás de mim, o gato corria atrás de mim; a mesma energia azul estava fluindo dele, e, enquanto ele flutuava, assim como eu, ele estava se divertindo. Sabia disso, pois, assim como no meu rosto, no dele também tinha um sorriso estampado.
— Cara isso é muito foda! — Eu dei um grito dessa vez testando minha habilidade ainda mais já que tinhamos chegado no fim daquela quadra, o outro prédio ficava do outro lado da rua.
O gato olhou para mim, questionando se eu realmente iria testar minha sorte.
Eu estava confiante e sabia que poderia atravessar a rua inteira e cair no outro prédio apenas com um unico salto. Afinal, agora eu não era mais um humano qualquer. Eu tinha sido mordido por um gato alienígena e agora eu era um super-humano!
Dei uma risada tentando pensar sobre um nome de super-herói enquanto atravessava o ar.
Eu estava no meio do caminho entre um prédio e outro, meu pulo tinha atingido a altura máxima e eu me sentia invencível.
Eu tinha feito merda porque o pulo não tinha atingido altura ou velocidade suficientes. Eu bati de cara na parede de concreto do prédio e comecei a cair batendo minhas costas numa das beiradas e ficando pendurado lá. O gato se aproximou de mim, flutuando até parar em cima da minha barriga, sem fazer pressão alguma com seu peso.
— Uh.... Pode falar.... Fiz merda. — Disse, recuperando meu fôlego e sentindo sangue escorrer da minha testa por causa de ter enfiado ela na parede.
Orion apenas acenou com a cabeça segurando a risada.
— Mas você até que fez bem o seu corpo está se acostumando facilmente com o aprimoramento que recebeu. E os seus olhos também conseguem enxergar o que humanos normais não podem; logo, logo você vai estar podendo usar outros poderes.
Ele parecia estar orgulhoso de dizer tudo aquilo sobre mim.
Isso me fez me sentir bem.
Me sentei deixando minhas pernas penduradas naquela beirada e olhei para a rua, as peassoas estavam todas caminhando tranquilamente e nem tinham me percebido. Estávamos bem alto, afinal de contas, e na cidade grande todo mundo seguia normalmente sem nem se preocupar com o seu redor, pois era informação demais já para conseguir se concentrar.
Entre algumas das pessoas eu percebi algo estranho, como se sombras estivessem caminhando entre elas. E havia uma mulher na qual estava sendo perseguida por uma pessoa meio transparente.
— Fantasmas. — Orion falou. — Apenas ignore, fantasmas perdem a força quando são ignorados.
Concordei com a cabeça e mudei meu olhar para ele.
— Então, já testamos minha capacidade. Pode me falar agora qual era seu plano para atrair a garota que te atacou?
— Sim, só continue usando seu poder e tente chamar o máximo de atenção possível. Isso vai chamar a atenção dela e, quando ela se aproximar, nós a atacamos juntos!
— E então vamos perguntar para ela o porquê de você estar te perseguindo! — Falei fazendo um joinha com a mão.
Eu já tinha recuperado meu fôlego e então me levantei e comecei a caminhar pela beirada daquele prédio, tomando cuidado para não me desequilibrar e cair. O gato explicou que eu poderia desenvolver a habilidade de flutuar como ele, mas que eu precisava me concentrar para isso.
Pensei em tentar fazer aquilo, mas com o som da cidade: pessoas caminhando, carros se movendo, o vento forte daquela noite, os sons vindos daquele prédio residencial tornavam-se concentrar completamente mais dificil.
E se eu tivesse tentado, minha concentração teria sido quebrada totalmente quando eu ouvi um grito desesperado vir do beco logo abaixo. Era o grito de uma mulher. Olhando para baixo, eu a vi e ela tinha sido cercada por um grupo de homens. Eles pareciam ser de alguma gangue da cidade. Eram bandidinhos, qualquer que fosse, provavelmente acabaram a puxando para dentro do beco enquanto ela passava por lá; o resto da multidão nem percebeu.
O pensamento de ser um tipo de super-herói retornou à minha mente e, com isso, a motivação. Eu ainda estava bastante ares de altura, mas, sem pensar duas vezes, eu pulei de onde eu estava, caindo diretamente nas costas de um dos bandidos, acertando-o nas costas.
Ele amorteceu minha queda. Eu só percebi que ele estava segurando uma faca quando ela caiu no chão e deslizou para debaixo da lixeira. Os outros dois trocaram olhares confusos ao perceberem que o companheiro deles tinha sido esmagado por alguém que parecia ter caído do céu.
Não me feri, pelo menos não mais do que eu já estava, e eles perceberam isso quando eu me levantei. Eu acho que eles teriam achado estranho se me vissem com a testa machucada, mas o meu capuz estava escondendo meu rosto. Eu vi o medo no olhar de um deles. Na visão daquele homem careca, eu devia ser um tipo de sombra da vingança que surgiu do nada e estava prestes a fazer ele pagar pelos seus crimes.
Deu um sorriso.
— Ei, seu merda! — O outro homem que não estava assustado apontou a faca dele na minha direção. Ele esbravejou, irritado. Ele achou que aquela situação era dinheiro fácil para os três, mas tudo tinha ficado complicado do nada. Ele balançou a faca na minha direção.
Eu queria dizer que eu desarmei ele com um movimento rápido e preciso… Não foi bem o que aconteceu. Quando eu tentei atingi-lo, o homem cravou a faca em minha mão e eu dei um grito, um grito de frustração e dor.
Minha mão pareceu queimar; ela ardeu e eu senti o sangue escorrendo quando ele puxou a lâmina afiada da faca. Ele estava pronto para me atingir de novo, mas hesitou ao perceber que minha mão passou a brilhar.
— Mas que.... Que porra é essa!? — Ele gritou desacreditado.
Pressionei meu punho ferido com força. O brilho se intensificou ainda mais. A energia azul era intensa agora e, dando um grito de furia, eu aproveitei que ele tinha parado o movimento da faca para atingi-lo no rosto. O nariz dele inverteu para o lado com um som de algo quebrando e ele voou para trás, atingindo a lixeira de plástico e caindo entre as sacolas pretas que estavam espalhadas naquele beco imundo.
O bandido que estava apavorado largou a faca dele e correu para longe, desaparecendo na escuridão.
— Obrigada... Você salvou minha vida.... — A mulher ainda estava assustada, seu coração devia estar pulsando de forma intensa e ela estava abraçando a bolsa dela.
Ela deu alguns passos até mim e segurou minha mão, que ainda tinha um vago brilho azul; o ferimento estava curado e ela parecia não acreditar naquilo. Fazia sentido ela estar confusa; tudo aconteceu tão rápido. Ela continuou repetindo o agradecimento e olhou para o meu rosto escondido debaixo do capuz.
Por conta da escuridão, eu acho que ela não pôde ver que eu era. Isso me fez me sentir ainda mais como um herói misterioso que havia feito o bem apenas porque era a coisa certa a se fazer.
Eu fiquei parado ali por um momento depois que ela foi em bora e se misturou a multidão. Orion, que tinha observado tudo, se aproximou ao meu lado, também flutuando até próximo do meu ombro.
— Talvez se você continuar ajudando as pessoas assim, o rumor sobre alguém com poderes vai se espalhar mais rapidamente. — Ele falou.
— Concordo. — Falei caminhando para as escadas de emergência que ficavam ao fundo daquele beco para que eu pudesse subir ao topo do prédio, pois seria mais fácil de se movimentar rapidamente por lá e também encontrar outras pessoas precisando de ajuda.
Nós dois não tínhamos percebido ainda que já estávamos chamando muito mais atenção do que devíamos.