Silas piscou ou executou o equivalente astral de piscar, enquanto tentava compreender o que estava diante dele. A paisagem parecia um sonho quebrado, um mito morto e deixado ao relento por eras incalculáveis.
— O que… diabos…? — sua voz ecoou como um sussurro feito de bruma. — Eu escolhi a pedra certa? Essa é a… Tróia? O reino do General Typhoeus?
Nenhuma resposta. Apenas o som distante de estruturas desabando, como se a cidade ainda insistisse em ruir, mesmo depois de ter caído incontáveis vezes.
Tróia no plano astral nada tinha a ver com a descrita nos pergaminhos imperiais. Era maior e monstruosamente maior que antiga até mesmo para padrões míticos. Colunas colossais erguiam-se inclinadas, rachadas, como costelas de um titã morto. As muralhas estavam partidas, mas cada fragmento flutuava no ar, hesitando entre existir ou se desfazer em poeira luminosa. A própria luz parecia torta, dobrada em ângulos errados, como se o espaço sofresse com o peso daquela ruína eterna.
Silas respirou ou simulou o hábito humano tentando reunir os pensamentos dispersos.
Calma. Concentre-se. Morian disse que cada general deixou um eco… uma marca astral. Isso… deve ser o domínio de Typhoeus. Mas por que está tão destruído?
Ele deu um passo. O chão de pedra etérea ondulou sob seus pés como líquido solidificado. Uma sensação fria subiu por suas pernas, insinuando-se até ossos que já não existiam ali.
— Maravilhoso… — murmurou. — Uma cidade fantasma que parece querer me engolir.
Então o “vento” soprou. Mas não era vento.
Era uma voz profunda, fragmentada, como um rosnado deslizando através dos séculos.
Silas congelou.
— Tem alguém aí? — sua mão astral ergueu-se instintivamente, inútil. — Typhoeus? Puta merda por Cristo onde eu me meti?
O silêncio retornou, pesado, primitivo, antigo demais. Não estou sozinho. O pensamento surgiu como uma lâmina fria.
Silas avançou entre os destroços edifícios tombados, ruas que se dobram sobre si mesmas como serpentes, pontes que terminavam em abismos cintilantes. Cada esquina parecia observá-lo.
Ele parou diante de uma estátua quebrada com um guerreiro colossal segurando uma lança de três pontas. A cabeça estava faltando, arrancada por algo indescritivelmente poderoso.
— Então… você seria um dos avatares de Typhoeus? — Silas tocou a base da estátua. Uma vibração bruta, feroz, irritada, percorreu seu corpo. — Isso definitivamente não é um Daímon comum.
A vibração aumentou. O chão tremeu.
Silas recuou três passos, o corpo translúcido estremecendo.
— Certo. Tocar em nada daqui pra frente. Absolutamente nada. Senhoras e Senhores...eu quase me caguei aqui
Ele se virou e então viu. Ao longe, na praça central, um feixe de luz acendia, distorcido, como se o ar estivesse sendo rasgado em camadas.
Dentro da luz… algo se movia.
Silas prendeu o “fôlego”.
— Typhoeus…?
A cada passo, a atmosfera tornava-se mais densa, quase sólida. O ar o pressionava com as mãos invisíveis, como se Tróia buscasse repelir invasores até mesmo após seu fim.
A mente dele latejou.
Não deveria estar aqui. Esse lugar não quer visitantes. Este reino foi abandonado… por um motivo.
Mas recuar não era opção não com sua alma exposta num mundo feito de ideias, mortos e monstros.
Silas continuou.
Ao chegar à borda da praça, finalmente viu o que jazia dentro da luz.
Uma figura gigantesca, ajoelhada.
Correntes etéreas serpenteavam seu corpo irregular, como se tentassem ancorá-lo a nada. A forma era humanóide, mas distorcida por forças cósmicas. A cabeça, envolta em sombras densas, ergueu-se lentamente, como despertando.
E então um único olho abriu-se com um olho feito de trovão e ira.
Silas travou.
— …Typhoeus?
O chão vibrou. O ar partiu-se em estilhaços invisíveis.
A voz veio direto à sua mente, vasta como mares tempestuosos colidindo contra templos
— MORTAL… POR QUE PISAS NA CIDADE DO QUE CAIU?
Silas engoliu seco ou tentou.
— Eu… vim em nome do Império. Procuro o legado de Typhoeus. O Império clama por ajuda. Procuro—
O olho estreitou-se, ficando com fúria antiga.
— SAUL NÃO ESTÁ AO TEU LADO. E TYPHOEUS… TYPHOEUS NÃO MAIS CAMINHA POR ESTE REINO.
Silas sentiu algo tocar sua consciência, uma garra, ou talvez um pensamento velho demais para ser articulado.
— O GENERAL FOI APRISIONADO NO TÁRTARO. OS FILHOS DO OLIMPO TEMERAM SUA ASCENSÃO. E ASSIM O LANÇARAM ÀS PROFUNDEZAS.
— O… quê? — Silas sentiu sua alma tremer. — Aprisionado…? Ele… não está aqui?
O olho brilhou como um relâmpago branco.
— NÃO. MAS SEU DOMÍNIO PERMANECE. SUAS MARCAS. SEUS CAMINHOS. E SE BUSCAS UM CAMPEÃO… HÁ UM.
A entidade inclinou-se, e o feixe de luz explodiu ao redor dela como uma tempestade contida.
— VÁ AO CENTRO DE TRÓIA. DESCE AO SUBSOLO. ENCONTRARÁS O QUE RESTA DO SEU CAMINHO…E AQUELE QUE PODE LUTAR EM NOME DELE.
A luz estourou. A onda de energia arremessou Silas para trás como se fosse apenas fumaça.
Ele caiu, deslizando pelo chão distorcido, sentindo sua consciência vibrar como se estivesse prestes a se partir.
Seu corpo astral se estabilizou lentamente.
Silas respirou fundo ou tentou.
Tróia. Centro. Subsolo. Typhoeus aprisionado no Tártaro…E um campeão à minha espera.
Ele ergueu-se, tremendo, enquanto a cidade corroída e se reconstrói ao seu redor num loop interminável formando um caminho a seguir.
— Certo… — murmurou, encarando o caminho adiante. — Se é até o fundo desse pesadelo, então é até o fundo desse pesadelo.
E deu o primeiro passo.
O primeiro passo ecoou como se tivesse sido dado dentro de uma catedral subterrânea. A pedra sob seus pés tremeu levemente, reagindo como um músculo adormecido sendo cutucado.
Silas franziu o cenho.
— Ótimo… até o chão tem opinião aqui. Eu devo estar pagando os pecados por outra vida passada não e possível!
O corredor diante dele se estendia em espirais descendentes, as paredes feitas de um material que parecia pedra, mas que pulsava, ligeiramente, como carne petrificada. À medida que avançava, as runas nas paredes reacendiam uma a uma, como se reconhecessem sua presença.
Ou como se o denunciassem.
A descida durou tempo demais ou nenhum tempo; no plano astral, era difícil saber. As escadas dobraram-se em ângulos impossíveis, a gravidade mudando sutilmente até ele sentir que caminhava de lado, depois de cima para baixo, depois como se não caminhasse de forma alguma.
Então o ar mudou.
A sensação opressora da Tróia superficial se dissolveu, substituída por algo… vivo. Algo que observava.
Silas saiu do túnel.
E ficou imóvel.
Diante dele estendia-se
uma cidade inteira esculpida sob a cidade morta uma Tróia secreta, preservada como se um bolso do tempo tivesse se recusado a morrer.
Ass do Autor:Eu não sei usar essa plataforma direito, mas devo conseguir lançar os 31 capítulos já feitos ainda hoje