Uma sensação como a abertura de um mundo inteiro ou de muitos irrompeu diante dos olhos de Silas. Era como se os limites de sua percepção estivesse se estilhaçado, expondo algo vasto demais, antigo demais, para qualquer mente humana suportar sem tremer.
Gaia estendeu a mão. Ao tocá-lo, Silas sentiu uma vibração que não era exatamente som, luz ou calor… mas algo no qual todos esses conceitos existiam apenas como sombras imperfeitas.
De repente, inúmeras projeções de energia brotaram no ar como camadas cintilantes flutuando como hologramas vivos, cada uma pulsando com significado e profundidade. Eram esferas, véus, anéis hierárquicos do cosmos, sobrepostos como páginas de um livro escrito por mãos divinas.
— Observe — Gaia disse, sua voz reverberando como se ecoasse através de eras inteiras.
Silas viu as camadas dimensionais se abrirem diante dele. A primeira, translúcida como névoa espiritual.
A segunda, densa, pulsante, onde as leis do astral fervilhavam.
A terceira, escura como um abismo entre mundos.
E depois mais e cada descida feita com uma velocidade impossível, como se a gravidade do cosmos os puxasse para baixo, camada após camada, numa queda silenciosa e abismal.
Silas engoliu seco.
Cada passagem parecia arrancar algo de dentro dele como a ignorância, limites, temores e substituindo-os por fragmentos de compreensão que queimam como brasas.
Até que, por fim, chegaram.
O último véu se abriu como uma membrana rompida, e adiante surgiu o Reino Material, colossal e indiferente.
Primeiro, o tecido negro pontilhado de estrelas.
Depois, a espiral de galáxias brilhando como poeira sagrada.
E então, encolhendo como se fosse apenas uma pintura em miniatura, o mundo conhecido…… até que o Império apareceu, delimitado por linhas de poder, fluxo de fé e a respiração coletiva de bilhões de vidas.
Silas prendeu o fôlego.
O Império, visto de cima, era uma visão complexa assim como visto de fora parecia ao mesmo tempo majestoso e frágil. Um castelo de vidro cercado por sombras agitadas.
— Então… é assim que as coisas realmente são — ele murmurou, sem perceber que falava em voz alta.
Gaia inclinou a cabeça, como alguém observando uma criança que finalmente começou a entender a forma do mundo.
— Apenas o começo, pequeno astral.
— Agora é sua vez… concentre-se. Foque no que deseja ver — disse Gaia, sua voz suave como o movimento de placas tectônicas.
Silas respirou fundo.
O mundo astral vibrava ao redor dele, pressionando sua mente como um oceano infinito.
Ele fechou os olhos.
— Lumian… — murmurou.
A princípio, nada veio.
Sua consciência deslizou, escorregou, afogou-se em ruído.
— Tsc. Sabia — Hydra comentou. — Mal consegue mirar numa cidade.
— Se não vai ajudar, cale-se — rosnou Ladão, sem desviar os olhos da projeção.
Foram oito minutos, oito longos e tortuosos minutos em que Silas lutou para agarrar sequer um fio de sentido, como um cego tateando no escuro de um templo esquecido.
Gradualmente, porém, algo se alinhou.
A energia ao seu redor começou a girar.
Luzes e sombras se contorcem, formando espirais, depois círculos, depois uma superfície que lembrava um espelho líquido suspenso no vazio.
E então veio a visão.
Lumian surgiu, não como ele lembrava, mas como realmente era no tecido do mundo um mosaico vivo de ruas, almas, tensões, preces e temores.
— Ele conseguiu? — Cólquida murmurou, erguendo uma sobrancelha. — Bem… isso é inesperado.
Logo depois, a imagem afundou e se reergueu na Basílica de São Pedro. A luz era dura. O som, abafado. Mas a movimentação… ah, essa era clara como um sino.
— Ora, ora… — Equidna murmurou, estreitando os olhos. — Então eles realmente estão em pânico
Homens correndo.
Armas sendo carregadas.
Insígnias sendo erguidas.
Ordens sussurradas com urgência.
Preparativos para guerra.
Silas sentiu o estômago afundar.
— Então… — sua voz saiu trêmula — parece que meu outro plano falhou.
A projeção astral devolveu a ele a imagem dos soldados, sacerdotes e comandantes se posicionando como um enxame organizado, decidido, movido por medo e fé.
— Eles estão se preparando para o confronto — completou, com um amargor seco na boca.
Gaia observava em silêncio, como se a guerra fosse apenas mais um ciclo natural do cosmos.
— Tente manipular diretamente — disse Gaia, aproximando-se. — Não veja apenas… manuseie. Direcione a intenção. Focalize.
Silas assentiu com hesitação.
O espelho astral tremulava diante dele como água prestes a congelar ou evaporar.
Ele estendeu a mão ou aquilo que funcionava como mão naquele estado.
A sensação era estranha… como tocar algo que estava simultaneamente a centímetros e a anos-luz de distância.
Durante seis minutos ele falhou.
A imagem desfocada. Virava sombra. Estourava em fragmentos de luz. Ou simplesmente sumia.
Hydra riu abertamente.
— Patético. Até uma larva de salamandra faria melhor.
— Continue — Neméia ordenou, ignorando o sarcasmo do irmão. — Você já alinhou antes. Pode fazer de novo.
Silas respirou fundo.
Apertou os olhos.
Tentou sincronizar sua vontade com o fluxo da projeção. E então com foco e empenho.
Como se uma lente tivesse sido ajustada por mãos invisíveis, Lumian se tornou nítida. As paredes, as almas, as tensões tudo definido, tudo vivo.
— Hm. Ele conseguiu. — Cólquida arqueou levemente uma sobrancelha, surpreso. — Talvez ele não seja um completo erro biológico.
— Ainda é discutível — murmurou Ladão, mas sem hostilidade evidente.
Gaia sorriu, serena.
— Bom. Agora, mova. Não apenas observe: navegue.
Foram mais dez minutos de esforço. De caos. De linhas de energia rompendo e se recompondo. De tentativas frustradas e pequenos avanços.
Mas Silas persistiu.
Gradualmente, a visão começou a deslizar como uma estrela guiada pela gravidade de outra.
Primeiro aos poucos…Depois com fluidez…E então com precisão.
A projeção voou sobre colinas, desfiladeiros, vales e rios, tudo visto ao mesmo tempo de cima e de dentro, como se ele caminhasse e fosse um pássaro simultaneamente.
— Mais longe — Gaia murmurou. — Mais fundo.
Silas seguiu a orientação.
E então encontrou.
Um vilarejo tomado pela quietude mórbida. Era Belthazar.
A visão se aproximou.
E o que emergiu era a antítese da vida.
Corpos cobertos pela praga.
Pele rompida.
Olhos vazios.
Movimentos erráticos como marionetes quebradas. Zumbidos às vezes agudos demais, às vezes profundos demais, preenchendo o espaço como um coro grotesco.
A Legião de Infectados. Não uma horda…
Mas uma colmeia vive pulsando com a Ordem Hymenoptera.
Hydra deu um assobio baixo.
— Uau. Olhem só… é ainda mais feio do que imaginei.
Equidna estreitou os olhos, sombria.
— Não é apenas uma infecção. É uma espiral em expansão. Cada vida tomada alimenta a próxima camada.
Neméia soltou Silas devagar, como se temesse que sua mente pudesse se partir ao ver aquilo.
— Se isso alcança uma cidade grande… — ele não completou.
Ladão terminou por ele, voz grave
— Então o Império cai. Não por guerra. Mas por apodrecimento.
Silas sentiu a garganta travar.
— Isso… isso está fora de controle. Já se espalhou demais.
Gaia colocou a mão sobre o ombro dele.
— Então agora você entende a urgência… e o porquê de estar aqui.
A visão continuava pulsando em frente aos olhos de todos, Belthazar tomada pelo zumbido do abismo, pela praga que sussurra, pela legião que avança.
O silêncio que seguiu não era quietude.
Era o peso do destino mudando de curso.