Maya aprendeu cedo que observar era mais seguro do que falar.
Enquanto outras crianças preenchiam o espaço com perguntas jogadas ao vento, ela preferia recolhê-las para dentro, desmontá-las com cuidado, uma por uma. Preferia de entender o porquê antes do como. Gostava de olhar. Sempre gostou.
Seu mundo nunca foi barulhento. Não porque fosse vazio, mas porque era organizado demais para o caos. Cada coisa tinha seu lugar: os livros alinhados, os objetos escolhidos com intenção, os pensamentos girando em órbitas silenciosas dentro da cabeça. Maya existia como quem constrói um mapa interno — não para mostrar aos outros, mas para não se perder de si mesma.
Vinda da Suíça, ela cresceu cercada por uma ideia constante de frieza, cautela e precisão. Tudo precisava fazer sentido. Tudo precisava funcionar. Mas ninguém a ensinou como lidar com aquilo que não se mede, não se explica e não obedece a regras simples — sentimentos, por exemplo.
Maya sentia muito. Só não demonstrava.
Ela observava as pessoas com uma curiosidade quase científica: os gestos repetidos, as pausas antes das palavras, o jeito como alguém desviava o olhar ao mentir. Mas não julgava. Apenas registrava. Guardava tudo para ela como se um dia fosse precisar dessas informações para compreender algo maior.
Na escola, era conhecida como a menina quieta dos óculos redondos. A que prestava atenção demais. A que parecia sempre estar pensando em outra coisa. Ninguém percebia que, na verdade, ela estava pensando em tudo.
O silêncio de Maya não vinha da falta de coragem, mas da escolha. Falar significava interromper seus próprios pensamentos, e ela não gostava de perder a gota de atenção que mantinha sua mente organizada. Havia apenas a preocupação em existir dentro da própria cabeça.
Mas conforto não é o mesmo que paz.
Às vezes, à noite, quando o mundo finalmente desacelerava, Maya sentia o peso de tudo o que não dizia. As perguntas que guardava, dúvidas nunca antes tiradas. As emoções que analisava demais até perderem o sentido. Ela se perguntava se observar tanto não era também uma forma de se esconder.
Foi nesse espaço entre observar e viver que Maya começou a se sentir dividida.
Ela queria entender as pessoas, mas não sabia como se aproximar sem analisá-las em pensamentos. Queria se conectar, mas tinha medo de errar o tom, o momento, a palavra. O silêncio, que antes era apenas uma opção pessoal, começava a parecer uma fronteira.
Quando conheceu Kiki, tudo ficou diferente. Mais...confortável.
Kiki não exigia palavras. Não pressionava. Apenas existia — doce, presente, imperfeita. Maya percebeu que, ao lado dela, não precisava estar sempre analisando. Podia apenas existir. Ainda observava, claro, mas com menos defesa.
Mesmo assim, Maya continuava sendo cautelosa e dando atenção às menores situações. Continuava a perceber detalhes mínimos. A notar mudanças de humor antes que alguém admita. A enxergar rachaduras invisíveis.
Maya sempre teve uma maneira cuidadosa de existir: viver com os olhos sempre abertos, mesmo quando a boca permanece fechada. Uma forma importante para se reinventar.
Maya não é distante. Ela apenas sente primeiro por dentro. Precisa entender antes de tocar. Precisa observar antes de se expressar. Seu silêncio não é ausência — é só uma defesa e cautela antes de se expressar a alguém .
Maya aprenderá que nem tudo precisa ser compreendido para ser vivido. Que algumas conexões não seguem lógica. Que errar também faz parte de existir.
Mas, neste começo, Maya ainda está aqui:
de óculos redondos, olhar curioso, pensamentos em camadas,
tentando decifrar o mundo, tentando existir da maneira que ela mais se sente confortável. Que não inclua se isolar por completo e se manter fechada com informações e perguntas com sentimentos reprimidos. —
enquanto o mundo, silenciosamente, tenta tornar esse cuidado e atenção, em conforto.