ATO 1 - A MISSÃO

A tarde se derramava dourada sobre os vidros da fortaleza dos Defensores.

Lá dentro, o som dos passos ecoava sobre o piso de aço e pedra, como tambores que precedem um juramento.

Maira, Nami e Lyra atravessavam o corredor central, com Kael logo atrás.

O vento que o seguia fazia as bandeiras da Luz ondularem levemente, como se o próprio ar reconhecesse sua presença.

A porta de aço polido abriu-se com um silvo baixo.

Do outro lado, uma sala ampla — o centro estratégico da fortaleza — se revelava.

Painéis de energia espiritual projetavam mapas da cidade, mostrando fluxos de poder, zonas instáveis e locais marcados por recente atividade das Sombras.

No centro, de pé, estava o Comandante Elias, o Líder dos Defensores.

Seus cabelos grisalhos contrastavam com o vigor que emanava de sua presença.

Os olhos, firmes e cheios de propósito, refletiam não apenas autoridade, mas também peso — o peso de quem carrega eras de batalhas e perdas silenciosas.

Maira deu um passo à frente.

A postura, tão firme quanto a rocha que dominava, era a de uma verdadeira comandante.

— Comandante, — começou ela, a voz clara e respeitosa. — Trouxemos Kael, o portador do Vento dos Céus. Seu poder foi reconhecido no último confronto. Ele está pronto para servir.

Elias assentiu lentamente, observando o jovem que permanecia imóvel, o olhar perdido no horizonte através da janela blindada.

— Sim. O Conselho confirmou o despertar do Vento. Mas ele é apenas o primeiro.

O tom de sua voz era grave, mas sereno.

— Os sinais são claros. Outros estão despertando. A Luz está reagindo… e a Sombra, respondendo.

Ele caminhou até a mesa central, tocando o mapa holográfico.

O brilho revelou novos pontos de energia espiritual surgindo pela cidade.

— Os antigos esquadrões estão dispersos. Muitos se foram. E o equilíbrio… está por um fio.

Fez uma pausa.

Então ergueu o olhar para Maira, Nami e Lyra.

— Vocês três foram escolhidas para liderar o novo grupo de Defensores. A próxima geração. O elo entre o que fomos e o que ainda precisaremos ser.

O silêncio tomou a sala.

Mesmo o vento que seguia Kael pareceu aquietar-se diante daquelas palavras.

Elias continuou:

— Vocês já provaram força, lealdade e compaixão. Agora, terão uma nova missão: reunir os que ainda dormem dentro da Luz.

Nami deu um passo à frente, a serenidade do mar em sua voz.

— Reunir… os despertos?

— Sim. — Elias assentiu. — Há novos portadores emergindo. Alguns jovens, outros esquecidos. Espíritos antigos em corpos modernos. Encontrá-los antes que a escuridão os corrompa será essencial.

Lyra, que até então permanecia em silêncio, falou com a voz baixa, mas firme:

— Quantos precisamos?

O Comandante olhou para o mapa mais uma vez.

— Formem um time de seis a oito guerreiros. Vocês três serão o núcleo. Kael, o vento que rompeu o silêncio, será o quarto. Os demais precisam ser encontrados. Treinados. Guiados. Antes que as Sombras o façam primeiro.

Maira cruzou os braços, pensativa.

— Recrutamento em meio ao caos… não vai ser simples.

Elias respondeu com o olhar fixo nela:

— Nunca é. Mas vocês são o que resta da esperança. E agora, essa esperança precisa crescer.

Nami olhou para Kael, que observava o mapa projetado.

O reflexo da luz espiritual tremulava em seus olhos.

Ela colocou uma mão sobre o ombro dele.

— Então é isso. Nossa missão começa agora.

Lyra assentiu, e pela primeira vez, um leve sorriso atravessou seu rosto sereno.

— Reunir os novos portadores da Luz. Guiá-los. Moldá-los. Como fomos moldadas.

Elias caminhou até eles.

Parou diante do grupo e estendeu a mão — o gesto solene de um juramento antigo.

— Vocês são a centelha que restou. A força que ainda se ergue quando a escuridão tenta sufocar o mundo. Reúnam a Luz. Forjem a próxima geração. E que o fogo do espírito jamais se apague entre vocês.

Maira estendeu a mão primeiro.

— Por Kael, pelo vento que renasceu.

Nami pousou a dela sobre a de Maira.

— Pela harmonia, que guia a maré entre luz e sombra.

Lyra uniu a sua.

— Pela Terra, que sustenta cada promessa feita.

Kael, por fim, completou o círculo.

— E pelo ar, que carrega a esperança — mesmo quando o céu desaba.

As quatro mãos se uniram.

O vento soprou pela sala.

Os painéis espirituais tremularam em luz dourada.

O Juramento dos Quatro foi selado.

Não era um fim.

Era o início do que viria —

e o início, sempre, é o mais perigoso.

ATO 2 - A REUNIÃO DAS SOMBRAS

Em algum ponto distante da cidade, onde a luz da lua mal tocava o concreto rachado, três figuras observavam o horizonte.

Não eram apenas sombras — eram as Sombras, as mesmas presenças que vinham se insinuando nos capítulos anteriores, agora enfim reveladas por completo.

O primeiro, Vareth, o Caçador da Névoa, mantinha o corpo envolto por uma bruma viva que ondulava como se respirasse. Seus olhos brilhavam em vermelho profundo, como carvões ainda acesos dentro da escuridão.

A segunda, Seris, a Dama dos Ecos, caminhava levemente, e cada passo deixava para trás um rastro sutil, como se ecos sonoros e sombras do próprio tempo se desfizessem em pó. O ar vibrava ao redor dela — instável, hesitante.

O terceiro, Norath, o Portador do Abismo, era um colosso silencioso, enorme, imponente, cuja pele parecia feita do próprio vazio. Rachaduras negras percorriam seu corpo como se a noite estivesse tentando escapar de dentro dele.

Eles observavam a cidade dormindo — tão frágil ali embaixo, tão inconsciente do que se aproximava — e quando falaram, suas vozes soaram como fragmentos de um ritual esquecido.

Vareth foi o primeiro a quebrar o silêncio.

— Korran cumpriu o papel dele. Enquanto os pequenos Defensores se prendiam ao caos que viam… — seus olhos se estreitaram, famintos — o verdadeiro jogo se movia onde eles não enxergam.

Mas Seris levantou uma das mãos, silenciando-o com um gesto. Sua voz parecia vir de múltiplos lugares ao mesmo tempo.

— Ainda não é suficiente. Precisamos de uma distração no centro da cidade. Algo grande, algo que prenda a atenção das guardiãs recém-despertas.

Fez uma pausa, e um segundo sorriso — mais antigo, mais cruel — se formou em seu eco.

— E além disso… uma distração maior ainda, longe da cidade. Longe o bastante para que o caminho até o pergaminho fique livre.

A névoa ao redor de Vareth se agitou, como se reagisse à antecipação do caos.

Norath finalmente se moveu. Cada passo era pesado, fundo, como um abismo caminhando.

— Eu enviarei alguém. — Sua voz era grave, profunda, trazendo a sensação de que o solo tremia. — Alguém adequado para conduzir o tumulto.

Ele não citou nomes. Não precisava.

A sombra atrás dele se expandiu, formando um contorno irregular, predatório — e depois encolheu novamente, como se aguardasse ordens.

Seris continuou, o tom agora mais cortante:

— E no interior… enviaremos o clã vampírico. Todos eles.

Vareth arqueou uma sobrancelha, divertido.

— Um ataque maciço?

— Sim. — Seris respondeu, com absoluta frieza. — Um vilarejo inteiro será devorado. O suficiente para a elite dos Defensores correr até lá. Longe. Muito longe daqui.

— E enquanto eles correm para salvar o que resta da carne e da esperança…

Norath completou, a voz soando como pedras caindo em um fosso:

— Nós abriremos o caminho até o pergaminho. Ninguém interferirá.

Vareth sorriu com ironia, os dentes refletindo a luz fraca da lua.

— Eles ainda acreditam que lutam por paz. Tão inocentes… tão previsíveis.

Seris inclinou a cabeça, e seus ecos sussurraram juntos:

— A paz é apenas a pausa antes do colapso.

Norath ergueu o olhar para o céu enevoado, onde nuvens escuras começavam a se mover como se sentissem sua presença.

— O portal já reage. A Luz deu seu primeiro passo… e agora o ciclo não pode mais ser contido.

Nenhum deles se moveu fisicamente — mas, num piscar de olhos, sumiram.

Desvaneceram como fumaça tragada pela própria noite, como se o mundo jamais tivesse filtração suficiente para segurá-los.

ATO 4 - UMA CONVERSA AMIGÁVEL

O mundo humano jamais enxerga a verdade por completo.

Onde há energia espiritual, há também véus de ilusão.

E nesses véus… escondem-se as batalhas que sustentam o equilíbrio entre a luz e a escuridão.

Aos olhos comuns, o que aconteceu na universidade não passou de um desastre natural.

Uma tempestade repentina.

Um fenômeno magnético inexplicável.

Uma tragédia sem culpados.

Mas entre os poucos que lutaram… algo havia mudado para sempre.

Algo que nem o vento conseguiu levar.

As telas da cidade repetiam, incansáveis, a mesma manchete:

“Fenômeno climático causa destruição repentina — especialistas falam em tempestade magnética.”

As palavras giravam nas televisões, ecoando como um mantra criado para apagar a verdade.

Na escola, o som dos estudantes preenchia os corredores como uma melodia de normalidade forçada.

Risos, passos, conversas.

A vida, teimosa, insistia em continuar.

Kael e seus amigos tentavam se misturar à multidão.

Mas o riso deles soava oco, como ecos dentro de um corpo cansado.

Dante, sempre buscando ser o raio de sol do grupo, ergueu um pedaço de pão como se fosse um troféu e falou alto, sorrindo daquele jeito torto que fazia Maira revirar os olhos… e, mesmo assim, desviar o olhar por um segundo a mais.

— Vocês viram as notícias? Dizem que a tal ‘tempestade magnética’ quase congelou a avenida inteira! Cara, tava tão frio que até os pombos devem ter procurado cobertor!

Ele mesmo riu primeiro, e a risada era leve demais para ser verdadeira — como se tivesse medo de parar e ouvir o próprio silêncio.

Ryu, sentado ao lado, empurrou o amigo com o ombro, fingindo irritação.

— Ah, claro. Agora o Dante é meteorologista. Próxima notícia: pãozinho do intervalo causa tornados.

Sophia soltou um riso rápido e deu um toque suave no braço de Ryu — mais carinho do que bronca.

— Deixa ele, vai. Se o mundo vai acabar, ao menos alguém precisa narrar o caos com humor.

Por um instante, o grupo riu junto.

O riso ecoou pelo pátio, e por alguns preciosos segundos… o peso pareceu sumir.

Mas então, Lucas falou.

E o silêncio voltou como uma sombra.

Ele estava encostado na pilastra, braços cruzados, o olhar distante — como alguém que deixou uma parte de si preso do outro lado da tempestade.

— Não foi uma tempestade.

O tom era baixo, firme, cortante.

— O ar… ficou pesado. Eu vi o chão rachar. Por um momento… o mundo parou.

A risada de Dante morreu na garganta.

Maira, ao ouvir a gravidade na voz dele, endireitou o corpo sem perceber — como se sua respiração buscasse seguir a dele.

Kael desviou o olhar, fingindo procurar algo na mochila.

Seu coração acelerou ao lembrar do vento quebrando o vidro, da luz de Aiden, do reflexo distorcido… e dos olhos de Nami o chamando de volta.

— Talvez tenha sido coincidência, murmurou.

— A gente só ajudou quem estava por perto.

Mas até ele sabia que soava falso.

Maira ergueu o rosto, firme, mas com cansaço nos olhos que só quem lutou de verdade consegue esconder tão mal.

— Foi rápido demais.

Sua voz tremia num ponto quase imperceptível.

— Um minuto estava tudo bem… no outro, o caos.

Jéssica, ao lado de Ryu, apertou o próprio braço, olhando o chão.

— Eu também senti algo… antes de tudo. Como se o mundo tivesse segurado o fôlego.

Sophia tocou seu ombro com delicadeza, mas seus dedos trêmulos entregaram sua própria incerteza.

— Talvez… talvez a gente só tenha imaginado.

Mas ninguém confirmou.

E o vento que atravessou o pátio parecia rir da tentativa.

Aiden — sorriso fácil, olhos cheios de luz — deu um passo à frente, tentando costurar o clima de volta ao normal.

— Ei, chega desse papo mórbido. Se o mundo for acabar, que acabe com a gente comendo algodão-doce e vendo fogos, né?

Dante levantou a mão, rindo de novo, mais natural desta vez.

— Isso aí! E se sobrar só um algodão-doce, eu passo por cima de todo mundo pra pegar!

As risadas voltaram — frágeis, mas vivas.

O ar se tornou respirável.

Nami observava em silêncio.

Seus olhos calmos seguiam cada detalhe:

o nervosismo escondido de Kael,

a sombra que Lucas tentava enterrar,

a forma como Maira e Dante trocavam olhares rápidos,

o jeito como Sophia ficava perto demais de Aiden… e rápido demais se afastava.

Ela entendia cada silêncio.

Cada peso.

Cada fenda no véu.

E então, no meio de tudo isso — risadas, passos, vozes — um som surgiu.

Fraco.

Distante.

Um tilintar de vidro.

Quase impossível de ouvir… a menos que se estivesse procurando sem saber.

Kael levantou o olhar na mesma hora.

Mas o pátio estava igual.

As mesmas árvores.

O mesmo sol.

O mesmo mundo no qual nada era o que parecia.

“Os humanos aceitam as ilusões porque elas são mais confortáveis que a verdade.

Mas há sempre alguém cujo olhar atravessa o véu.

E Lucas, sem saber… acabava de dar o primeiro passo nessa direção.”

Ele não sabia o que procurava.

Mas no meio do riso dos amigos e do vento distante…

o destino começava — silenciosamente — a chamá-lo pelo nome.

ATO 5 - CHUVA DE REFLEXOS

No fim da tarde, o céu começou a mudar.

O dourado do sol se dissolveu em cinza.

O cinza estampou o horizonte em chumbo.

E o ar… ficou denso. Vivo. Pesado demais para ser respirado com tranquilidade.

O vento foi o primeiro a avisar.

Um sussurro longo, baixo, como se a cidade inteira estivesse prendendo o fôlego sem perceber.

Lyra sentiu antes de todos.

O mesmo frio.

A mesma energia que antecedera a tragédia da universidade.

Um presságio vindo das entranhas da Terra, golpeando sua espinha como um aviso antigo.

Ela se ergueu do banco, olhos fixos no horizonte.

— Está acontecendo de novo… — murmurou, a voz entre medo e certeza.

E então, o som.

Um estalo.

Depois outro.

E outro.

Vidro se partindo.

Primeiro uma janela.

Depois duas.

Depois dezenas.

Centenas.

Milhares.

As fachadas dos prédios explodiram, lançando cacos brilhantes como uma chuva mortal.

Os estilhaços caiam em cascatas reluzentes, refletindo o sol poente em milhões de fragmentos.

O chão cintilava.

O ar brilhava.

E no reflexo, uma figura começou a surgir.

Translúcida.

Reluzente.

Quase bela.

Klyrion.

O Guerreiro de Vidro.

O Refletido.

Seu corpo parecia feito de lâminas polidas; seu rosto, inexpressivo; seu olhar… vazio.

Não era vivo. Não era morto.

Era um reflexo sem alma.

A voz dele cortou o ar como lâmina contra gelo:

— A luz se parte… e o reflexo revela o que é real.

E o caos começou.

Carros colidiram.

Gritos se misturaram a sirenes.

O vento rugiu.

E o mundo humano viu apenas um furacão repentino —

mas os Defensores sabiam o que realmente era.

Kael foi o primeiro a reagir.

O vento correu até ele como se reconhecesse seu dono.

— Vamos, então… — murmurou, erguendo os braços.

O ar girou, formando um redemoinho protetor.

As rajadas desviavam os estilhaços, mas algo estava errado.

O próprio vento começou a se dobrar contra ele.

Como se parte do ar obedecesse…

e outra parte fosse controlada por algo mais.

Maira bateu os punhos no chão.

— Lyra! Protege os civis! Eu cubro o Kael!

A terra respondeu ao comando dela, erguendo colunas de pedra que formaram muros improvisados.

Mas antes que ela pudesse respirar, os mesmos muros se tornaram espelhos.

E das superfícies brilhantes, as próprias pedras se quebraram e voaram de volta contra ela.

— Droga… ele reflete até isso?!

Nami reuniu a água no ar, moldando um escudo líquido que girava como uma cúpula viva.

O escudo refletiu seu rosto — e dele emergiu outra Nami, translúcida, feita de água endurecida e vidro fluido, avançando como uma maré cortante.

— Sério? Nem minha própria cara me dá um descanso?

Lyra tocou o solo com ambas as mãos.

As raízes surgiram, fortes, vibrantes, tentando prender o inimigo.

Mas o chão virou espelho.

As raízes se viraram contra ela como serpentes vivas.

— NÃO! — gritou, rolando para trás enquanto as vinhas tentavam prendê-la.

Klyrion observava tudo com a calma de um predador que conhece o fim antes da caça.

— Tudo o que existe reflete… — murmura ele, a voz ecoando em mil tons.

— Inclusive vocês.

E então os espelhos começaram a surgir.

Primeiro poucos… depois dezenas.

Flutuando. Rodopiando.

Como asas quebradas cercando os Defensores.

Kael lançou uma rajada de vento.

O golpe atravessou o espelho.

E voltou com o DOBRO da força.

Ele foi jogado para trás, rolando pelo asfalto.

Sangue escorreu pelo canto da boca.

— KAEL! — Maira gritou, os olhos ardendo de medo.

Ela correu até ele, erguendo outra parede de pedra — mas um espelho se abriu bem ao seu lado.

E dela saiu uma Maira de vidro, com os mesmos movimentos, o mesmo olhar duro…

mas sem alma.

Maira cerrou os dentes e socou sua própria cópia.

— Eu já me irrito comigo mesma todo dia… agora até em batalha?!

O impacto ressoou como duas rochas se esmagando.

Nami girou o corpo, desfazendo uma onda de vidro líquido que avançava contra civis que corriam desesperados.

Um ônibus tombado ameaçava deslizar ladeira abaixo.

— NÃO!

Ela ergueu colunas d’água densas, travando o veículo no lugar.

Lyra correu até um grupo de crianças, batendo as mãos no chão.

A terra se abriu, criando um abrigo subterrâneo que as engoliu com segurança.

A superfície fechou, protegendo-as.

A chuva de vidro contra o solo soava como sinos quebrados.

Entre os civis, Dante correu até um homem preso sob um carro.

— Ryu! Aqui, AGORA!

Sem poderes, mas com coragem de sobra, empurrou o carro com tudo o que tinha.

Ryu juntou força ao lado dele.

O carro levantou o suficiente para que o homem saísse.

O motor explodiu logo depois.

Faíscas iluminaram o rosto dos dois.

— Mano… isso foi sorte ou burrice? — Ryu ofegou.

— A gente descobre depois! — Dante riu, ainda tremendo.

Sophia puxou Jéssica para trás de uma banca destruída, protegendo-a de uma chuva de estilhaços que caía como navalhas do céu. Ambas respiravam rápido, tentando entender o que estava acontecendo ao redor.

Perto delas, uma mulher ferida rastejava, pressionando a perna ensanguentada.

— Socorro… por favor… — ela murmurou, a voz quase apagada pelo barulho da batalha.

Jéssica, instintivamente, se arrastou até ela.

— Fica comigo, tá? Vai ficar tudo bem. — Ela rasgou a própria blusa, improvisando um torniquete com mãos trêmulas.

A mulher a encarou, os olhos marejados:

— Você… é médica?

Jéssica engoliu seco.

— Não… mas alguém precisa ajudar.

Sophia permaneceu de guarda, olhando em todas as direções. O pátio refletia em centenas de superfícies quebradas — e cada reflexo parecia se mover por conta própria.

Foi quando ela viu.

Um espelho atrás delas… surgindo do nada, como se brotasse da luz distorcida.

— Jéssica… não se mexe. — disse Sophia, a voz baixa e urgente.

Antes que Jéssica pudesse perguntar, uma lâmina atravessou o ar, cortando onde sua cabeça estivera um segundo antes.

— JÉSSICA! — Sophia gritou, puxando-a para longe e caindo com ela no chão.

O espelho rachou.

E da rachadura, uma sombra translúcida emergiu, erguendo uma lâmina cristalina, avançando direto contra as duas.

Jéssica tentou proteger a mulher ferida com o próprio corpo.

Sophia ergueu o braço, mas estava longe demais para reagir.

Foi quando um grito cortou o ar:

— SAI DE CIMA DELAS!

Lucas apareceu correndo.

Pegou uma barra de ferro caída e golpeou o espelho com toda força.

CRAACK!

A superfície estourou como gelo fino.

A sombra se expandiu no ar e se dissolveu, desaparecendo sem deixar vestígios.

Lucas ficou parado, ofegante, os dedos ainda fechados na barra.

O reflexo dele no vidro quebrado…

tremia junto.

E por um instante — apenas um —

algo dentro do reflexo o encarou de volta.

Ele piscou.

O reflexo voltou ao normal.

Mas Lucas soube.

Alguma coisa ali tinha respondido.

Enquanto o caos tomava a cidade, a elite dos Defensores corria por estradas escuras e desertas, guiada apenas pelas coordenadas urgentes enviadas por Elias.

O vilarejo ficava no interior — uma comunidade pequena, pacífica, isolada.

E quando chegaram…

já não havia paz alguma.

As casas estavam abertas como bocas quebradas.

Portas arrancadas.

Janelas estilhaçadas.

A terra encharcada de sangue.

O capitão Arthel, líder da unidade Alfa, desceu primeiro da aeronave espiritual, os olhos estreitos.

— Pelo Espírito… o que aconteceu aqui?

O grupo se espalhou pela rua principal.

Não havia silêncio — havia um eco de silêncio, pesado, cheio de lamento.

E então… movimentos na escuridão.

Olhos rubros surgiram entre os galpões.

Línguas afiadas.

Garras cobertas de sangue.

Vampiros.

Um bando inteiro.

Os que não haviam fugido na emboscada inicial.

A elite não hesitou.

A arqueira Seraphine ergueu o arco espiritual e disparou três flechas luminosas.

Cada flecha encontrou um alvo — os vampiros explodiram em pó escarlate.

O guerreiro Caelum avançou como um meteoro, girando a lâmina energética em um arco perfeito.

— POR LUZ E ESPÍRITO!

O chão tremeu.

Dois vampiros foram partidos ao meio antes de entenderem o que os atingira.

Um terceiro saltou sobre ele — mas Iris, a conjuradora, ergueu a palma da mão.

— Pare.

A palavra se materializou no ar.

O vampiro congelou no espaço por um segundo — apenas um segundo — mas foi o suficiente para Caelum acabar com ele.

Do alto de uma casa sem teto, o mais rápido da equipe, Fenris, gritou:

— Chefe! Um grupo está tentando escapar pela floresta!

Arthel ergueu o braço.

— Não deixem nenhum voltar para o covil. Se a Sombra mexeu nisso… não podemos perder o rastro.

Fenris disparou como uma flecha humana.

Choro.

Gritos fracos.

Batidas de portas.

A equipe encontrou sobreviventes escondidos sob as tábuas de um celeiro.

Uma criança correu até Seraphine, os olhos vermelhos de chorar.

— Eles levaram minha irmã… por favor… tragam ela de volta…

Seraphine, ainda com o arco nas mãos, abaixou-se e tocou a testa da criança.

— Nós vamos. A Luz não abandona ninguém.

E quando o último vampiro caiu, o vilarejo ficou novamente em silêncio.

Não o silêncio natural.

Mas um silêncio quebrado.

Um silêncio de luto.

Arthel olhou para as marcas profundas nos corpos abatidos.

— Isso não foi um ataque comum. — murmurou.

Iris completou, a voz baixa:

— Foi uma distração… e nós caímos direitinho.

Fenris correu de volta, ofegante.

— Chefe… encontramos rastros de invocação. Magia das Sombras. Pesada. Eles estavam fabricando um corredor espiritual.

Arthel apertou o punho.

— Significa que alguém queria nos ATRair para longe.

O vento soprou pelo vilarejo, levantando poeira, carregando o cheiro da destruição.

E naquele instante…

todos entenderam:

Enquanto eles lutavam ali… a verdadeira guerra estava começando em outro lugar.

Kael se levantou, o vento vibrando ao redor dele como uma fera ferida prestes a fugir.

Seus olhos encontraram os de Klyrion.

O inimigo caminhava lentamente, cada passo um som agudo de cristal arranhando o mundo.

— A luz é frágil… — disse Klyrion.

— Tudo o que brilha pode ser partido.

Maira avançou.

— Se encostar nele de novo, eu te QUEBRO!

Criou um muro de pedra — mas o golpe de Klyrion atravessou tudo, lançando-a contra um poste.

Lyra tentou amarrar o inimigo com raízes espirituais, mas ele cortou tudo com movimentos suaves, quase elegantes.

Nami concentrou toda energia que tinha, criando uma esfera de água comprimida.

— TENTA REFLETIR ISSO!

Ela lançou.

A esfera atingiu Klyrion em cheio —

e por um instante ele pareceu se dissolver como gelo ao sol.

Mas uma poça formada no chão brilhou.

Um espelho surgiu.

E dele, Klyrion emergiu novamente, intacto.

O reflexo não podia ser destruído.

E a guerra…

apenas começava.

Kael olhou ao redor, o peito arfando.

Maira, coberta de poeira e sangue, mal conseguia se manter de pé.

Lyra, presa pelas próprias raízes refletidas, lutava contra o espelho que se fechava ao seu redor.

Nami, ofegante, suava enquanto tentava manter o escudo de água estável.

E atrás deles…

seus amigos humanos, sem poderes, enfrentando o caos apenas com coragem.

Kael apertou os punhos.

Um garoto com o poder do vento… contra um inimigo feito de reflexos.

Era uma luta impossível.

Klyrion estendeu a mão.

O ar ao redor dele tremeu como vidro prestes a estourar.

— Vocês lutam contra a própria imagem. — disse, impassível.

— E o reflexo… sempre vence.

Ele moveu o braço.

FOOSH!

Uma onda de estilhaços varreu a rua como uma tempestade de lâminas.

Kael saltou à frente, invocando um redemoinho para desviar.

A rajada protegeu parte da equipe… mas um fragmento atingiu seu ombro.

CRACK!

O sangue espirrou.

O vento perdeu força.

Kael caiu de joelhos, sentindo a dor pulsar até o fundo do osso.

O narrador sussurra sobre o instante:

“Naquele momento, a cidade respirava medo.

Os heróis lutavam contra o próprio reflexo.

E o reflexo devolvia cada golpe com perfeição.”

Então, um prédio ao lado começou a ruir.

O som foi ensurdecedor.

— NÃO! — Lyra gritou, mesmo ferida.

Ela ergueu os braços; colunas de pedra brotaram do solo, segurando o peso dos andares superiores.

Nami abriu os braços, criando uma barreira de água que conteve parte dos destroços.

Maira avançou mancando, posicionando-se sob as vigas para erguer mais algumas toneladas com a força da terra.

Mas o esforço era absurdo.

As três tremiam.

E foi então que Lucas, Dante, Ryu, Sophia, Jéssica e os demais correram.

Eles empurravam destroços, quebravam tábuas, puxavam pessoas presas.

Gritavam instruções.

Ajudavam uns aos outros, mesmo arriscando a própria vida.

Sem dons.

Sem defesas.

Sem espelhos capazes de refletir seus medos.

Eles só tinham coragem.

Algo que Klyrion não podia copiar.

E por um instante — um único, precioso instante —

a Luz brilhou entre eles.

Fraca.

Tímida.

Mas real.

Klyrion observou de longe, inclinando a cabeça como quem analisa uma peça defeituosa.

— Interessante… — murmurou, quase curioso.

Ou talvez… entediado.

E então ele se moveu.

Tão rápido que o ar pareceu rasgar.

Kael mal teve tempo de erguer os olhos.

SHRRING!

A lâmina de vidro espiritual atravessou o ar e atingiu Kael em cheio no tórax.

O impacto o lançou contra a parede de concreto.

BOOM!

O corpo dele bateu tão forte que rachaduras se espalharam ao redor.

O sangue escorreu pela camisa, misturando-se com poeira e estilhaços.

O vento… parou.

Como se tivesse perdido o mestre.

E por um único segundo —

a cidade inteira ficou em silêncio.

Nem sirenes.

Nem gritos.

Nem vento.

Apenas silêncio.

O narrador, então, fecha o momento:

“E assim, a Luz foi testada pela primeira vez.

Não pela força das Trevas…

mas pelo reflexo do próprio medo.”