ATO 1 — O SUSSURRO QUE NÃO DEVERIA EXISTIR

A madrugada caiu sobre o Centro de Cuidados como uma manta pesada.

O céu estava estático, sem vento, sem estrelas — como se o mundo tivesse prendido a respiração.

Dentro das câmaras, os Dez dormiam…

ou lutavam para não desaparecer.

Kael teve o primeiro espasmo.

O vento ao redor dele se partiu em mil direções, como se algo invisível o estivesse puxando.

A respiração engasgou — um soluço preso no peito.

— Nngh… a–ar…

Uma rachadura espiritual brilhou na costela.

A sala tremeu.

Um curandeiro correu.

— Pressão do vento subindo! Conter fluxo! CONTER!

Mas aí…

Apareceu.

Um sussurro.

Não vindo dos curandeiros.

Não vindo do prédio.

Não vindo da dor.

Um sussurro de dentro.

Uma voz antiga, arranhada, quase humana e quase vento.

“Acorde…”

Kael abriu os olhos — mas não viu o teto.

Viu céu.

Um céu fragmentado, rachado por linhas brancas como cicatrizes de luz.

E no centro, uma silhueta.

Alta.

Imaterial.

Com cabelos que se moviam como ventania entre tempestades.

Ele tentou falar.

— Quem…?

A silhueta ergueu a mão.

“Você escutou o chamado.

Mesmo machucado… você continua ouvindo.”

Kael sentiu o coração vacilar.

— Eu… não te conheço…

“Mas eu conheço você.”

O chão desapareceu sob os pés do garoto.

O vento o puxou para cima.

“Você corre atrás do ar.

Mas o ar… sempre correu atrás de você.”

A figura aproximou-se.

E Kael viu seus próprios olhos refletidos nela…

brilhando em azul profundo.

O vento produziu um som que não era sopro.

Era palavra.

“Kael…

…você não é apenas um Desperto.”

A luz explodiu.

“Você é um Eco.”

Kael gritou — e acordou.

O curandeiro caiu para trás.

— Ele despertou! KAEL!

Kael arfou, as mãos no peito.

O vento rodopiou, colidindo com as runas suspensas.

— Eu… vi… alguém…

— Alguém me chamou…

— Disse que eu sou… um Eco…

O curandeiro congelou.

Eco.

Aquela palavra não deveria existir entre humanos.

Não desde os tempos antigos.

ATO 2 — AIDEN E A ÁGUA QUE CONGELA O MUNDO

Enquanto Kael lutava com o vento, a sala de Aiden mergulhava no oposto absoluto.

Frio.

Profundo.

Silencioso.

Mortal.

A cápsula de compressão congelou por dentro — um fenômeno impossível, pois a magia impedia qualquer temperatura extrema.

Os curandeiros gritaram:

— Temperatura caindo!

— Evacuar! EVACUAR!

A água que escorria dos aparelhos fez cristais no chão.

As luzes tremularam, estalando em azul gélido.

Dentro da câmara, Aiden estava encolhido…

mas não era mais o mesmo Aiden.

Um sonho o engoliu.

Não um sonho comum.

Ele caminhava sobre um lago espelhado, infinito.

O horizonte era branco.

A superfície — pura, lisa, sem rachaduras.

Aiden olhou para baixo.

E viu algo refletido.

Alguém.

Não ele.

Um homem de olhos prateados.

Pele pálida.

Hálito frio como inverno.

O homem falou sem mover os lábios.

“Você teme congelar quem ama.”

Aiden recuou, tremendo.

— Quem… quem é você?!

“Seu medo alimenta o gelo.

Seu coração o impede de quebrar.”

A água sob os pés estremeceu.

“Mas você…

…não é um portador.”

Aiden engoliu seco.

— Então… o que eu sou?

O reflexo sorriu.

“Um Eco.”

A superfície inteira rachou, como se um martelo tivesse atingido o lago.

“Acorde, menino do solstício.

O mundo precisa lembrar.”

O gelo o engoliu inteiro.

Aiden acordou com um grito sufocado.

A cápsula explodiu para fora, libertando fumaça gelada.

Jessica correu, quase tropeçando:

— AIDEN?! AIDEN!!!

Ele caiu nos braços dela, tremendo.

— Eu… eu não sou só gelo…

— Eu ouvi… alguém… me chamando…

Jessica segurou o rosto dele com força.

— Eu tô aqui. Você tá aqui.

Mas Aiden não estava tão certo assim.

ATO 3 — MAIRA E A TERRA QUE RESPIRA DOR

As runas lilases no braço de Maira começaram a tremer de novo.

O curandeiro que a observava anotou, preocupado:

— Estabilidade… 41%… caindo… rápido…

Maira respirava fundo, tentando manter a consciência.

Mas a dor voltava.

Sempre voltava.

Desta vez, ela não desmaiou.

Ela caiu em si mesma.

Um sonho pesado tomou tudo.

Ela estava no topo de uma montanha.

A rocha respirava sob seus pés.

O vento sussurrava como quem guarda segredos.

E então…

Ela apareceu.

Uma mulher feita de pedra viva.

Com cabelos fluindo como areia levando séculos.

“Filha da terra…”

Maira tentou dar um passo.

A montanha inteira estremeceu sob ela.

— Isso… isso é real?

A mulher pousou uma mão na bochecha dela.

Era quente.

Familiar.

Quase maternal.

“Você carrega mais do que força.

Carrega memória.”

— Memória… de quê?

A rocha sob elas brilhou.

“De eras.

De guerras antigas.

De coisas que o mundo tentou esquecer.”

A mulher apertou o braço ferido de Maira.

A dor explodiu.

— AAH—!

“Sua ferida é ligação.

E ligação não se cura com descanso.”

Maira caiu de joelhos.

— Quem… você é…?

A mulher respondeu com voz que parecia tectônica:

“Sou Mirah’Keth.

A Eco que veio antes.

E você… é a que veio depois.”

Maira arregalou os olhos.

— Eu… sou…?

“Sim.

Um Eco.”

A montanha inteira tremeu.

“Acorde, Maira de Gaia.

A Luz… está sangrando.”

Maira abriu os olhos com um sobressalto.

O curandeiro gritou:

— A RUNA ESTABILIZOU!

Ela olhou o próprio braço brilhando em marrom-dourado.

E entendeu:

Ela não estava morrendo.

Estava mudando.

ATO 4 — NAMI E A MARÉ QUE SE RECUSA A PARAR

A cápsula de água explodiu.

Luz azul se derramou em jatos.

Os curandeiros correram.

— CONTER MARÉ!

— SEGUREM OS CRISTAIS!

— AGORA!!

Mas Nami não estava se afogando desta vez.

Ela estava acordando.

Dentro de si, a água fez silêncio.

Um silêncio que parecia profundo demais para caber no corpo de uma garota.

Então, a voz veio.

Como mar tocando lua.

“Pequena onda…”

Nami abriu os olhos.

Ela estava dentro de um oceano escuro.

Mas não sozinha.

Uma figura flutuava acima, iluminada por luz azul-marinha.

Uma mulher com cabelos longos como rios noturnos, pele que mudava com as marés, olhos feitos de gotas brilhantes.

“Você chora pelas perdas dos outros.

Mas nunca permitiu que alguém visse as suas.”

Nami engoliu seco.

— Eu… não posso ser fraca…

A figura se inclinou, tocando a testa dela.

“Não é fraqueza.

É profundidade.”

O mar ao redor vibrou.

“Você não é uma simples portadora.

Você é maré.”

— Maré…?

“Nami…

…você é um Eco.”

A água subiu, envolvendo-a como um abraço.

E ela acordou.

A cápsula estava destruída.

Água espalhada pelo chão.

Kael, ainda mancando, correu até ela.

— NAMI!!

Ela levantou a cabeça devagar.

E sorriu.

Suave.

Viva.

— Eu… ouvi a maré me chamar…

Kael segurou a mão dela.

— Eu tô aqui.

Ela apertou.

— Eu sei.

ATO 5 — DANTE E A CHAMA QUE RECUSA A MORRER

A sala de Dante foi isolada.

A chama reversa estava ativa.

E isso significava risco de explosão espiritual.

Mas então…

As runas apagaram.

Sozinhas.

Um silêncio impossível caiu.

E Dante sonhou.

Não com fogo.

Com cinzas.

Cinzas caindo como neve sobre um deserto infinito.

E no centro… uma figura alta.

Não era humano.

Nem demônio.

Nem espírito.

Era fogo.

Fogo puro.

Fogo com forma de homem.

Dante deu um passo.

A figura respondeu:

“Você não deveria ter sobrevivido.”

— Eu sei.

“Você não deveria ter despertado.”

— Eu sei.

“Mas você o fez.”

— Porque… alguém precisava lutar.

A figura riu — um som de brasas vivas.

“Seu fogo não é apenas poder.

É renascimento.”

Dante apertou o punho.

— Quem é você?

A figura inclinou-se.

E seu rosto — se é que aquilo era um rosto — aproximou-se.

“Sou aquele que queimou antes.

Sou aquele que caiu…

…para que você pudesse levantar.”

O chão brilhou em vermelho.

“Sou Ignarion.

A Chama Eterna.

O Eco do Fogo.”

O corpo de Dante vibrou.

— Então eu sou…

“Sim.”

Ignarion tocou o peito dele.

“Você é o próximo.”

A luz explodiu.

E Dante acordou cuspindo fumaça.

Os cristais ao redor brilharam.

O curandeiro caiu de joelhos.

— A CHAMA REVERSA…

— DESAPARECEU?!

Dante respirou fundo.

— Não desapareceu…

— Mudou…

E ele sabia exatamente para quê.

ATO 6 — LYRA E A VIDA QUE SE RECUSA A CAIR

A sala de Lyra foi isolada.

As raízes de cura estavam secando.

A afinidade dela despencava.

E isso significava risco de colapso espiritual total.

Mas então…

As raízes pararam.

Sozinhas.

Um silêncio impossível caiu.

E Lyra sonhou.

Não com árvores.

Mas com cinzas verdes.

Cinzas de folhas que caíam como neve sobre uma floresta destruída.

Troncos queimados.

Galhos retorcidos.

Um verde morto… tentando lembrar que um dia viveu.

E no centro…

Uma figura alta.

Não era humana.

Nem espírito.

Nem fera.

Era floresta.

Floresta pura.

Floresta com forma de mulher.

Lyra deu um passo.

A figura respondeu:

“Você não deveria ter sobrevivido.”

— Eu sei…

“Você não deveria ter carregado tanto.”

— Eu sei…

“Mas você carregou.”

Lyra sentiu os olhos arderem.

— Porque… alguém precisava tentar salvar…

A figura sorriu — um som de folhas antigas sussurrando.

“Sua vida não é apenas poder.

É renascimento.”

Lyra respirou fundo, tremendo.

— Quem… quem é você?

A figura inclinou-se.

E seu rosto — se é que aquilo era um rosto — aproximou-se.

Folhas mudavam de cor.

Raízes pulsavam sob a pele.

Uma luz verde brotava dos olhos.

“Sou aquela que floresceu antes.

Sou aquela que caiu…

…para que você pudesse crescer.”

O chão brilhou em verde dourado.

“Sou Lythriel.

A Vida Eterna.

O Eco do Bosque.”

O corpo de Lyra vibrou.

Ela mal conseguia respirar.

— Então eu sou…?

“Sim.”

Lythriel tocou o peito dela.

E da mão da entidade brotou uma pequena flor… que entrou no corpo de Lyra como luz.

“Você é a próxima.”

A luz explodiu.

Lyra acordou com um suspiro preso na garganta.

As raízes ao redor dela floresceram — verdes, vivas, fortes.

Brotos surgiram no colchão.

As runas brilharam como amanhecer.

O curandeiro caiu de joelhos.

— A AFINIDADE…

— ELA… SUBIU?! IMPOSSÍVEL!!

Lyra respirou devagar.

Uma folha dourada brotou em sua mão.

— Não desapareceu…

— Mudou…

E ela sabia exatamente para quê.

Para renascer.

Para resistir.

Para proteger.

Como a floresta sempre fez.

Na câmara ao lado, Ryu não despertou.

Não gritou.

Não sonhou.

Mas por três segundos, o cristal de monitoramento dele apagou por completo — como se algo tivesse engolido a luz de dentro dele.

Quando voltou, a sombra projetada no chão estava do lado oposto do corpo, embora ele não tivesse se movido.

E ninguém conseguiu explicar.

ATO 7 - SOPHIA E JESSICA, AS DUAS QUE NÃO DEVERIAM ESTAR SENDO VIGIADAS

Na ala comum do Centro de Cuidados, onde o ar parecia sempre gelado,

Sophia passava os dedos nervosos pela manga da blusa.

Jessica observava dois seguranças parados na porta.

Eles não falavam.

Não piscavam.

Não se mexiam.

Só… olhavam.

Para elas.

— Jess… — Sophia sussurrou — isso não é normal.

Jessica bufou baixinho.

— Não mesmo.

Elas tentaram ignorar, nos primeiros dias.

Pensaram que era protocolo.

Pensaram que era “segurança do hospital”.

Mas bastava uma enfermeira caminhar no corredor para perceber:

Ninguém mais estava sendo vigiado.

Nenhum outro visitante.

Nenhum outro familiar.

Só elas.

Sophia puxou o celular, apertando os dedos contra a tela desligada.

— A gente nem fez nada. — murmurou. — Só viemos acompanhar eles… e agora parece que estamos em prisão domiciliar.

Jessica cruzou os braços, desconfortável.

— O que eu não entendo é: por quê só a gente?

Kael, Aiden, Lyra, Dante… os amigos deles… ninguém tem guarda na porta.

Mas nós duas temos dois.

Sophia mordeu o lábio.

— Será que acham que a gente viu alguma coisa?

— Mas… — Jessica franziu a testa — …a gente não viu nada, Sophia.

A gente só viu eles caindo.

Desmaiando.

Sendo levados pras salas.

Parecia uma crise de saúde, não um… sei lá… ataque terrorista.

Sophia respirou fundo, olhando para os sapatos.

— Eu fico com a sensação de que… tão escondendo alguma coisa da gente.

Jessica desviou o olhar para os dois seguranças.

— Eles nem disfarçam. — disse, amarga. — Eu fui pegar água e um deles veio atrás. Até dentro do corredor de pacientes.

Sophia sentiu a pele arrepiar.

— Não quero que pensem que a gente vai fugir.

— E fugir de quê? — Jessica rebateu. — De um hospital?

A gente queria era poder ver eles.

As duas ficaram em silêncio por um tempo, só escutando o bip distante de algum equipamento médico.

Sophia abraçou os próprios joelhos.

— Sabe o que é pior?

Jessica levantou a sobrancelha, cansada.

— O quê?

— Eu olho pra porta… — sussurrou Sophia — …e sinto que não estamos sendo protegidas.

Jessica completou, sem hesitar:

— Estamos sendo observadas.

Os dois seguranças continuaram imóveis.

Como se estivessem esperando que elas fizessem algo.

Qualquer coisa.

E isso era a parte mais assustadora:

elas não faziam ideia do porquê.

ATO 8 - LUKAS, O GAROTO QUE NÃO ENXERGA O MESMO MUNDO

Lukas estava sentado no corredor vazio do Centro de Cuidados.

Para ele, tudo parecia absolutamente normal.

Paredes brancas.

Silêncio.

Aquela luz fria de hospital.

Nenhuma runa tremendo.

Nenhuma aura pulsando.

Nenhum brilho sobrenatural.

Só… o mundo comum.

Mas ainda assim, algo estava errado.

Um incômodo que ele não sabia nomear.

Ele olhou pela janelinha da sala onde Kael repousava.

Só viu um garoto desacordado.

Sem ventos rodopiando, sem luz azul — nada.

— Não tem nada demais… — murmurou. — Então por que todo mundo age como se tivesse?

Um curandeiro passou apressado, carregando cristais que tremiam.

Para Lukas, pareciam apenas pedras vibrando por falha mecânica.

Mas o pânico no rosto do curandeiro… esse era impossível de ignorar.

Um arrepio subiu por sua coluna.

“Eu não vejo nada.

Mas sinto que tem algo acontecendo.”

Ele respirou fundo e tentou se distrair observando a rua pela janela no fim do corredor.

Foi então que viu.

Uma figura parada do lado de fora do prédio.

Alto.

Imóvel.

Observando as janelas do hospital, como alguém tentando decidir se entrava… ou se fugia.

O coração de Lukas travou por um instante.

— Pai…?

A palavra saiu tão baixa que morreu no ar.

Ele piscou.

A figura parecia ter o mesmo porte.

O mesmo jeito de manter os ombros tensos.

A mesma postura de alguém que carrega muito nas costas.

Mas…

não podia ser.

Ele piscou de novo.

— Não… claro que não.

Quando focou novamente, a figura já estava virando a esquina — rápida demais para alguém comum, mas não o suficiente para chamar atenção de quem entendia de magia.

Lukas ficou olhando para o vazio onde ela estivera.

Em silêncio.

Confuso.

Com o peito esquisito.

— Acho que tô ficando paranoico…

Virou-se para a porta da sala de Kael.

Suspirou.

Mas atrás daquela mesma porta, as runas invisíveis para ele pulsaram em alerta, como se tivessem sentido a presença lá fora.

Lukas não viu.

Não ouviu.

Não percebeu.

Apenas ficou ali, no único lugar que ainda parecia normal…

…e que, por isso mesmo, o deixava ainda mais inquieto.

ATO 9 — A SALA TREME

Os ecos despertaram.

Jovens, antes apenas Despertos…

agora tocados por forças antigas.

E quando o último abriu os olhos…

O chão do Centro de Cuidados tremeu.

As runas brilharam.

Luzes piscavam.

O prédio inteiro reagiu como se tivesse reconhecido algo.

Algo grande.

Algo antigo.

Algo proibido.

Kael, Aiden, Maira, Nami, Dante, Lyra…

todos sentiram a mesma coisa:

Uma presença observando.

Não Vor’Gath.

Não Klyrion.

Não Korran.

Algo pior.

Algo profundo.

Algo que sussurrou de volta:

“Encontramos vocês.”

O vento morreu.

A água congelou.

A pedra silenciou.

O fogo queimou baixo.

A Floresta recuou.

E então—

Um símbolo surgiu no teto.

O símbolo descrito no livro dos Arautos:

O círculo cortado por três linhas.

Eles estavam marcados.

ATO 10 - A REUNIÃO DA LUZ FRATURADA.

O Salão Prismático nunca estivera tão silencioso.

As paredes — feitas de cristal vivo — refletiam luzes instáveis, como se o próprio prédio estivesse respirando com dificuldade.

Mapas flutuantes giravam em hologramas quebrados, mostrando ruínas, zonas de calor, áreas de sombra e rastros espirituais que tremulavam como chamas prestes a apagar.

No centro da sala, uma mesa circular pulsava com runas.

Sobre ela, dez pequenos cristais tremiam, conectados às câmaras onde os jovens se recuperavam.

Cada cristal representava um deles.

E todos estavam instáveis.

Presentes na sala:

Altherion, líder do Círculo do Poder

Astraim, Sábio da Luz Antiga

Kaelios, Protetor do Vento Vivo

Ilmaris, Capitão Solar

Helmira, Maestra da Voz Luminosa

Némaia, Guardiã das Marés

Arctéan, Comandante da Elite

Selene, Lâmina Estelar

Korvus, Bastião da Luz Brutal

Talerion, Mestre das Correntes Espirituais

E os três treinadores dos Defensores da Luz

Treinador Sarem, O Lobo da Aurora

Treinadora Aelia Straylight, A Guardiã das Marés

Treinador Flaus, O Mestre das armadilhas

1. O Começo do Medo

Altherion abriu a reunião com a voz arranhada.

Não era raiva.

Era cansaço.

— Os Dez sobreviveram… mas algo mudou neles. — Ele apoiou as mãos na mesa. A luz tremeu. — E não sei… se isso é bom.

Astraim, sempre calmo, encarou os cristais instáveis.

— Eles se conectaram com ecos antigos. Forças que nenhum humano deveria alcançar novamente.

Kaelios cruzou os braços, inquieto.

— Não podemos ignorar o que vimos. Cada um deles teve uma… manifestação. Um encontro com algo ancestral. Algo que não vemos desde a Queda das Três Luas.

Némaia resmungou:

— Ou seja… eles tocaram algo que nem o Círculo entende direito.

Helmira franziu o rosto, preocupada.

— E se eles não conseguirem controlar? O canto espiritual de Nami quase afogou uma ala inteira. Maira… quase quebrou o próprio braço enquanto dormia. Dante… reverteu uma chama invertida.

Korvus bateu o punho na mesa, fazendo a luz vibrar.

— Eles são só crianças!

Talerion completou:

— E por isso… são vulneráveis. Os Arautos sabem disso.

O nome deixou a sala mais fria.

2. A Preocupação com a Terceira Chave

Astraim projetou um símbolo no ar:

o círculo cortado por três linhas.

O símbolo apareceu sobre os Dez enquanto despertavam.

— Este símbolo não é um aviso. — disse Astraim. — É uma marca. Um rastreador. Eles foram… reconhecidos.

Ilmaris engoliu seco.

— Os Arautos estão procurando a Terceira Chave. E agora sabemos que ela está entre eles… ou próxima deles.

Sarem, O Lobo da Aurora, ergueu a mão com hesitação.

— Vocês estão dizendo que… uma das crianças… é uma chave para a destruição do mundo?

Astraim corrigiu, pesaroso:

— Não destruição.

— Abertura.

A sala ficou gelada.

Selene apertou a empunhadura da espada luminosa.

— Se a chave despertar… eles podem atravessar o Vórtice Sombrio sem limites.

Kaelios gritou:

— E isso significaria uma invasão direta.

Silêncio.

Profundo.

Letal.

3. A Procura pelos Arautos e Vor’Gath

Talerion ativou um mapa esférico da região.

Linhas vermelhas mostravam rastros de sombra.

Linhas cinzas mostravam energia de Vor’Gath.

Regiões inteiras estavam estéreis — sem vida espiritual nenhuma.

— Procuramos Korran por 36 horas. — disse Talerion. — Desapareceu como se nunca tivesse existido.

Ilmaris completou:

— Klyrion deixou rastro por toda floresta oeste… mas todos os clones se desfizeram minutos antes de chegarmos.

Némaia tocou um dos pontos no mapa.

— Vor’Gath… não morreu.

Korvus cuspiu no chão.

— Claro que não morreu. Aquele desgraçado não estava completo.

Astraim assentiu.

— Ele é um Guerreiro de Lava. Não pode ser destruído sem um Foco Estelar. Tudo o que fizemos foi… atrasá-lo.

Treinadora Aelia cruzou os braços.

— Isso significa que qualquer um deles… — ela apontou os hologramas dos Dez — …pode virar alvo de novo?

Kaelios respondeu:

— Eles JÁ são alvos.

4. A verdade sobre os Dez

Altherion circulou a mesa devagar.

— Kael. O vento dele tentou se separar do corpo. Isso só acontece com Estandartes do Vento Vivo.

Mas ele não é um deles. Ainda não.

— Nami. A água dela enlouqueceu. Mas… também curou metade do prédio. Como se ela fosse duas forças ao mesmo tempo.

— Dante. A chama dele virou para dentro. Isso não deveria ser possível. Isso é coisa de Fogo Ancião.

— Maira. A terra dela… reconheceu ela como se fosse uma sucessora de alguém que nem sabemos se existiu.

— Aiden. O frio dele quebrou limites. Limites que só Kaelios conheceu… e não gosta de lembrar.

— Lyra. A vida ao redor dela não respondeu: obedeceu — algo que só os antigos Ecos da Vida despertavam… e ninguém gosta de lembrar o que aconteceu com eles.

Kaelios desviou o olhar.

Ninguém ousou perguntar.

Arctéan completou, voz pesada:

— E Ryu… o garoto ainda está meio apagado. Metade sombra, metade luz. Não conseguimos acessar o espírito dele.

Selene acrescentou:

— E as garotas humanas? Jessica e Sophia… não têm energia espiritual ativa. Mas a proximidade com os Eco-Despertos está alterando o campo emocional delas. Isso não é bom.

5. O Medo que Ninguém Quer Dizer

O treinador Flaus falou algo que ninguém queria ouvir:

— Vocês acham que… eles… podem perder a humanidade?

Astraim fechou os olhos.

— Antigamente… muitos perderam.

A sala ficou muda.

Korvus respirou fundo.

— São alunos dos Defensores. são soldados. Não podemos deixá-los quebrar.

Astraim completou:

— Não podemos deixá-los quebrar…

— e não podemos deixá-los evoluir rápido demais.

Kaelios bateu na mesa.

— Não! Eles PRECISAM evoluir. Ou morrerão na próxima investida.

— As sombras estão avançando rápido, e com certeza eles estão no meio disso.

Ao terminar da frase o impacto foi intenso.

A luz piscou.

A água nos recipientes oscilou.

A sombra nas paredes se mexeu.

Némaia sussurrou:

— Eles estão ouvindo.

6. A Decisão

Altherion respirou fundo e anunciou:

— A partir deste momento…

— Quero que eles sejam acompanhados de perto.

Kaelios completou:

— A partir de agora eles devem ser treinados com ainda mais disciplina

Astraim deu a sentença final:

— E até encontrarmos os Arautos…

— até decifrarmos a Terceira Chave…

— até Vor’Gath ser contido…

— os Dez devem se manter seguros.

O Salão Prismático tremeu.

A luz apagou por um instante.

E quando voltou…

As dez runas que representavam Kael, Nami, Dante, Maira, Aiden, Lyra, Ryu, Lukas, Sophia e Jessica…

…brilhavam em três cores sobrepostas:

azul, vermelho e roxo.

A cor dos ecos antigos.

Kaelios foi o primeiro a dizer o que todos sentiram:

— Eles não são mais apenas nossos alunos.

Astraim completou:

— Não são apenas nossos guerreiros.

Némaia concluiu:

— Eles são o motivo…

…e o alvo.

Arctéan, por fim:

— E se falharmos…

…eles serão a porta.

E a Luz… silenciou.

ATO 11 — OS SETE QUE DOMINARAM A SOLARION

A quadra principal estava lotada.

Sol batendo forte pelas janelas.

Alunos vibrando.

Professores sorrindo como se tivessem encontrado “os salvadores” da escola.

No centro, os Sete Rivais caminhavam em linha, como celebridades arrogantes.

Reno recebia tapinhas nas costas de meia dúzia de atletas.

Nirse era ovacionada pelo time de vôlei como nova capitã.

Violet posava para fotos como se fosse a estrela da escola.

Ilia distribuía autógrafos para fãs recém-criados.

Daryl ria alto, paparicado pelos técnicos.

Craven mostrava gráficos e memes como se fosse gênio da mídia.

Skam… só andava. Silencioso. Mas todo mundo abria espaço.

A diretora chamou ao microfone:

— Esses são os alunos que têm nos mostrado maturidade, responsabilidade e liderança. A nova referência da Solarion!

A plateia aplaudiu.

Alto demais.

Rápido demais.

Desequilibrado demais.

Como se ninguém mais lembrasse dos Dez.

Como se os Dez tivessem evaporado do mundo.

Reno abriu os braços, triunfante:

— Solarion, nós prometemos que essa escola nunca mais vai ser um caos. Somos o futuro daqui!

Gritos. Aplausos. Telefone filmando.

Os Sete estavam no topo.

E adorando.

Quando a multidão dispersou, eles foram para o corredor vazio atrás do ginásio — o mesmo corredor onde tantas fofocas começaram.

A lâmpada piscou.

Uma vez.

Duas.

Três.

Skam parou.

Sempre ele.

— Viram isso?

Reno riu:

— Deve ser só a fiação velha. Relaxa.

Mas então o ar esfriou.

Levemente.

Por um segundo.

Quase imperceptível.

Um borrão escuro passou pelo canto da parede.

Rápido demais para ser sombra natural.

Lento demais para ser só reflexo.

Violet franziu o cenho:

— Vocês… sentiram?

Nirse tentou disfarçar:

— Isso aqui é velho. Para com drama.

Mas o borrão voltou.

Mais perto.

Como se estivesse… ouvindo.

Craven engoliu seco.

O laptop em sua mão perdeu o sinal por um instante.

A tela chiou.

Uma voz baixíssima — baixa demais para ser humana — roçou o ouvido deles.

“Continuem…”

Ilia estremeceu.

— O que foi isso?

Ninguém respondeu.

Skam virou lentamente a cabeça para o lado escuro do corredor.

Nada lá.

Mas a voz voltou.

Mais fraca.

Mais distante.

Quase um suspiro.

“…estão fazendo certo.”

E sumiu.

O corredor voltou ao normal.

A luz estabilizou.

O ar esquentou.

Reno forçou um sorriso, tentando recuperar o controle:

— A gente… tá cansado. Só isso. Vamos embora.

Eles foram.

Mas por alguns segundos…

Nenhum deles falou nada.

Nenhum riu.

Nenhum provocou.

Porque, pela primeira vez…

Eles perceberam que talvez não estivessem sozinhos no próprio triunfo.

Algo os observava.

Algo satisfeito.

Algo que se alimentava do caos que eles criaram.

E que, agora…

E pela primeira vez… a sombra pareceu satisfeita.

ATO 12 — OS ARAUTOS E O TERCEIRO SELO

Em um lugar onde luz não existe,

o chão respirava como carne.

Sombras pingavam das paredes como tinta viva.

No centro, um círculo pulsava —

não um símbolo desenhado,

mas um rasgo preso ao espaço.

Três figuras encapuzadas observavam o glifo ancestral,

que brilhava em roxo profundo, como um olho abrindo.

A Arauto da voz baixa murmurou:

— O ritual ainda está incompleto.

A voz do meio respondeu, arrastada:

— As marcas… faltam três.

Três linhas. Três portadores. Três acordes.

A terceira — irritada — rosnou:

— E a Terceira Chave permanece fechada.

Está se escondendo de nós.

A figura mais alta deslizou o dedo sobre o glifo.

A rachadura brilhou.

— Não está escondida.

— Foi… reclamada.

As outras duas recuaram, inquietas.

— Então… já despertou?

A figura mais alta permaneceu imóvel.

— Não completamente.

O rastro é fraco… mas real.

Sombras se retorceram ao redor do círculo.

A Arauto do meio analisou as ondas roxas:

— Mas… o fluxo é estranho.

— Oscila.

— Se dobra.

— Fragmenta.

A Arauto baixa inclinou a cabeça.

— Está vindo de um único lugar…

— uma escola humana.

— Solarion.

O silêncio que seguiu não foi de surpresa.

Mas de necessidade.

A figura irritada avançou:

— A Chave está entre eles?

O glifo projetou imagens turvas:

Reno.

Nirse.

Violet.

Ilia.

Daryl.

Craven.

Skam.

Sete silhuetas humanas, todas com sombras sutis presas aos seus pés —

fragmentos, ecos rasos, nada perigoso…

mas suficientes para chamar atenção.

— São fracos. — reclamou a Arauto irritada. — Frágeis. Inconstantes.

A Arauto baixa respondeu:

— Justamente por isso são difíceis de rastrear.

A Arauto do meio tocou o glifo:

— A Chave pode estar entre eles…

…ou alguém próximo a eles está atraindo o selo.

A figura mais alta finalmente falou:

— Não importa.

— A Terceira Chave é humana.

— E o rastro dela… está na Solarion.

O glifo brilhou em violeta vivo — cor ritualística, cor de perigo iminente.

A figura mais alta concluiu:

— Encontrem-na.

— Observem os Sete.

— Sigam o eco…

— antes que a Luz chegue primeiro.

E o círculo se fechou, engolindo tudo.

Naquela noite, ninguém dormiu na Solarion.

Nem os que viam a luz… nem os que só viam o mundo comum.